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Ex-agente do Dops se infiltra na plateia em lançamento de livro sobre DOI-Codi

Da rba:

O lançamento de um livro sobre o mais ativo centro de repressão da ditadura, o DOI-Codi paulista, teve também uma representação dramática e real, ainda que em menor escala, do que foram aqueles tempos. Durante apresentação na Assembleia Legislativa, a convite da Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva”, sexta-feira (12), o jornalista Marcelo Godoy dava detalhes de seu livro A Casa da Vovó, resultado de dez anos de pesquisas e 97 entrevistas, sendo 25 com agentes – que aceitaram falar para contrariedade do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante daquela unidade nos anos 1970. Quase no final, um senhor tomou a palavra. Era um ex-investigador do Dops, Carlos Alberto Augusto, o Carteira Preta, 70 anos. Completados, por sinal, em 1º de abril deste ano, no cinquentenário do golpe. Entre presos políticos, ganhou o apelido de Carlinhos Metralha, que o irrita.

Seguiram-se 20 minutos de diálogo até certo ponto respeitoso, mas tenso e áspero, entre Godoy, o deputado Adriano Diogo (PT), presidente da comissão, e o agora delegado, que se apresentou como amigo, “com muito orgulho”, de Cabo Anselmo (José Anselmo dos Santos, líder dos marinheiros em 1964 e, posteriormente, delator a serviço do regime). Também disse que compraria dois livros – como de fato comprou –, e que um deles seria para presentear Ustra.

Godoy lembrava que seu livro identificava autores diretos de crimes como sequestro, tortura e morte. Com versões diferentes daquelas apresentadas por Ustra. “A estratégia do DOI era de neutralização do inimigo, era uma estratégia militar. Não era um órgão policial”, diz o jornalista sobre um dos principais símbolos da repressão, criado em 1969 ainda como a Operação Bandeirante (Oban), ganhando o nome nome (DOI, Destacamento de Operações de Informações) em setembro de 1970. O livro busca mostrar “quem são e o que pensavam os agentes e seu chefe e símbolo, o coronel Ustra”.

De capacete (“símbolo de segurança”) e gravata borboleta preta (“luto pelas vítimas dos ‘terroristas'”), Carlos Alberto Augusto, que atuou no Dops de 1970 a 1977, sob o comando de Sérgio Paranhos Fleury – que disse considerar um herói –, iniciou sua fala atacando os “comunistas”. Godoy o interrompeu, afirmando que se tratava de um discurso conhecido. “O que não se conhece é o que de fato o senhor fez”, retrucou. “Quem quer preservar a memória não queima a memória, conta o que sabe.”

“Estive infiltrado na VPR (Vanguarda Popular Revolucionária, organização de esquerda), tendo contato com assaltante de banco e terrorista (como os militares se referiam aos militantes políticos)”, disse Augusto. Não negou ter participado da organização do chamado massacre da Chácara São Bento, em Pernambuco, em 1973, quando seis militantes da VPR foram mortos. “Não era chácara, era área de guerrilha”, contestou. Disse ainda ter escapado da morte, ao lado de Anselmo, após ser julgado por um “tribunal revolucionário”.

Juntamente com Ustra e com o também delegado Alcides Singillo, é apontado pelo Ministério Público Federal como autor do sequestro do corretor Edgar de Aqui Duarte, em 1971. “Nunca conheci”, afirmou. Em entrevistas, ele também negou a ocorrência de torturas durante o período autoritário. “Nunca trabalhei no Exército ou no DOI-Codi, mas respeito muito esses homens”, disse ontem.

O nome de Carlos Alberto Augusto consta da lista de 377 responsáveis por graves violações de direitos humanas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, divulgado na última quarta-feira (10). “Teve participação em casos de detenção ilegal, tortura e execução”, diz o documento. A inclusão no relatório revoltou o delegado, que disse não ter sido chamado a depor. “Convocado para prestar depoimento à CNV, não foi localizado”, afirma a comissão no relatório. No ano passado, ele foi alvo de um “esculacho” em Itatiba, no interior paulista, para onde havia sido transferido como delegado.