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Favela carioca se torna lugar de casas luxuosas

A passagem escura e estreita leva à casa de Glenda Melo. Ela vive com os pais e o irmão em 35 metros quadrados. Sala, cozinha, banheiro, dois quartos e uma pequena área de entrada. Em nenhum dos cômodos é possível dar mais que dois passos. A geladeira fica rente à porta, dificultando a passagem. O banheiro mal dá para uma pessoa tomar banho em pé. Da janela, só é possível ver um varal com a roupa dos vizinhos.

Mas Glenda tem orgulho do seu lar e se sente bem nele. Só os pratos sujos a fazem ter um pouco de vergonha. “Eu não tive tempo de arrumar a casa”, se desculpa a moça, rindo, enquanto oferece um lugar no sofá.

Há três meses, outro convidado esteve sentado nesse mesmo sofá na apertada sala de estar, onde não entra luz natural direta, pois a janela gradeada dá para um pátio interno.
O homem de São Paulo percorreu os corredores da favela, bateu de porta em porta. Ele olhou através das barras diretamente para a sala de Glenda, depois ofereceu 140 mil reais à mãe dela pela compra da casa.

Não só o homem de São Paulo, mas muitos outros querem morar na Favela do Vidigal, em cujo topo, de onde se tem uma das mais belas vistas da praia de Ipanema, está sendo construído um hotel com quartos de luxo. Turistas já recorrem há anos às inúmeras pensões da comunidade. Até mesmo o ex-jogador de futebol David Beckham teria comprado uma casa na região, segundo rumores espalhados pela mídia brasileira. De acordo com o jornal Extra, no início de março ele esteve no Rio de Janeiro para conhecer o terreno. A notícia, entretanto, não foi confirmada oficialmente.

Glenda também gostaria de permanecer no bairro em que cresceu. Aos 24 anos e com diploma universitário, ela finalmente quer viver sozinha, sem ter que precisar puxar o colchão debaixo da cama para se deitar ao lado de seu irmão. Mas aqui no Vidigal ela não tem condições de comprar seu próprio apartamento. “Eu não tenho escolha. Tenho que continuar vivendo com os meus pais até que os preços voltem a ficar mais acessíveis.”

Esta história parece incrível, considerando que há alguns anos quase ninguém tinha coragem de subir o morro. As favelas cariocas já forneceram material para os filmes mais cruéis e aparecem quase todos os dias no noticiário. Antes da instalação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), os traficantes faziam as leis nessas regiões. Desde janeiro de 2012, a polícia ocupa permanentemente o Vidigal e dá às pessoas de fora uma sensação de segurança.

Em todo o Brasil, cerca de 12 milhões de pessoas são moradores de favelas, de acordo com dados do Instituto Data Popular, de São Paulo. Isso equivale a cerca de 6% dos 196 milhões de brasileiros. “Agrupados, formariam o quinto maior estado brasileiro”, escreveu nesta semana o diretor do instituto, Renato Meirelles, num artigo para o jornal online Brasil Post.

Com cerca de 10 mil moradores, o Vidigal é uma favela relativamente pequena. Isso, além da vista privilegiada e do charme especial do “morro dos artistas”, como ele é chamado, faz a popularidade do Vidigal.

“Ficamos contentes com cada pessoa que vem ao Vidigal”, diz Marcelo da Silva, presidente da Associação dos Moradores da Vila do Vidigal. Mas essa popularidade também traz problemas. “Muitos não têm mais condições de viver aqui, os aluguéis deles sobem de preço e eles têm que arranjar outro lugar para morar.”

Ou eles recebem ofertas tão boas para seus terrenos que os vendem imediatamente. Mas os preços dos imóveis estão subindo vertiginosamente em toda cidade do Rio de Janeiro. Mesmo quando um morador de favela vende sua propriedade, ele geralmente só consegue comprar algo na periferia da cidade.

“Nós tentamos explicar para as pessoas que nem tudo na vida é dinheiro”, diz Marcelo da Silva. Por isso ele organizou um ciclo de debates chamado Fala Vidigal. Durante quatro noites, os moradores da comunidade se reúnem para falar sobre os problemas causados pelos preços em alta e pelos novos moradores. Os dois primeiros eventos atraíram cerca de 200 pessoas.

“Gentrificação” é o nome dado pelos especialistas a esse processo: pessoas de maior poder aquisitivo se mudam para o bairro, obrigando que os moradores originais, de renda mais baixa, tenham que se retirar. É um fenômeno antigo e acontece em cidades ao redor do mundo: Berlim, Nova York, Londres e, agora, Rio de Janeiro.

Mas não só os altos preços preocupam Marcelo. “Estamos com medo de que nossa comunidade perca sua identidade.”

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