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Fernanda Torres: grampo em Dona Marisa tem o intuito de sataniza-la

Da coluna de Fernanda Torres na Folha:

 

Uma das maiores dificuldades de escrever para um caderno de cultura, hoje, é escrever sobre cultura.

Os livros se acumulam na cabeceira. Leio, trabalho, insisto, mas a cabeça vaga, escrava dos acontecimentos.

Dentre todos os grampos da Lava Jato, um, de menor relevância, me causou impressão.

Nele, dona Marisa solta um palavrão para desabafar com o filho o incômodo com o panelaço. É uma conversa íntima, cuja reprodução em rede aberta só serve a um desejo hediondo de satanizá-la.

Nenhum de nós sobreviveria a uma exposição pública dessa ordem, não é aceitável, não pode ser.

Mas o desconforto que experimentei não aplaca meu mal-estar com a retórica populista de que a classe média não quer que o povo coma ou ande de avião.

Trata-se de um primarismo tão nocivo quanto a vilania da divulgação da escuta.

Lula provou que a classe C é uma força econômica maior do que as classes A e B reunidas, e deixou o Planalto com 83% de aprovação.

Empresas, produtores de conteúdo, o mercado publicitário –sou atriz, vivi isso–, todos correram para retratar, satisfazer, conquistar a massa de consumidores que ascenderam com Lula.

A classe média apoiou seu mandato.

A rejeição veio depois, com a Nova Matriz Econômica; com a queda do barril do petróleo aliada à Lava Jato, que expuseram a gestão criminosa da Petrobras. O descompasso veio com a seca e o aumento do custo de energia, com a política fiscal irresponsável e a incapacidade de articulação do Executivo.