FHC não quer impeachment de Bolsonaro e diz que os defensores do processo são “inquietos”

Da coluna de Fernando Henrique Cardoso em O Globo:
Primeiro é bom ressaltar que a “crise” (usa-se tão amiúde o vocábulo que ele acaba por perder o significado) começou a se manifestar antes de o maldito vírus ter sido percebido entre nós. Nisso me refiro à “crise econômica”, não à política, que parece ser permanente em nosso caso. Mas o certo é que o mar tranquilo no qual navegaram os governos de Lula e, parcialmente, de Dilma, perdeu-se no passado, antes da pandemia, apesar dos esforços corretos do governo Temer.
Com isso, não quero dizer que o governo Bolsonaro seja “o” responsável pelos descaminhos pelos quais passa a economia brasileira. A questão é mais complicada, depende de vários fatores, alguns internacionais. Tampouco seria correto imaginar que a pandemia seja “a causa” do fraco desempenho da economia. Este a antecedeu. (…)
Os mais inquietos só veem uma saída, o impeachment. Eu, que já vi de perto dois, sou cauteloso: é alto o custo político de uma intervenção congressual no que foi popularmente decidido. Às vezes, não há outro jeito. Mas tal desiderato depende mais das ações (ou inações) de quem foi eleito do que, como comumente se diz, da “vontade política”. É melhor ir devagar com o andor.
Melhor aguentar quem hoje manda — o quanto seja possível — e preparar candidatos para as próximas eleições que possam bem desempenhar a função presidencial. Enquanto isso não ocorre, aproveitemos o tempo para treinar civicamente o eleitorado. Ingenuidade? Talvez. Mas sem certa dose de otimismo corre-se o risco de jogar fora não só a água do banho, mas a criança, a democracia. (…)
A verdade é que os partidos ou não são capazes de se opor ou quando o fazem não convencem os seguidores de forma a abalar quem está no poder. Será sempre assim? Depende, por exemplo, dos trejeitos do presidente, que costuma jogar a culpa nos outros, ou, em outro exemplo, menosprezar o sofrimento das vítimas da pandemia. Mas depende, sobretudo, do surgimento de quem encarne “o novo”. Como disse o senador Jereissati: é preciso gritar bem alto um “basta” e dar nome aos bois. (…)
De imediato, o que interessa é a saúde. Logo depois será o emprego. Os dados recentes, mostrando um encolhimento de 4,1% no PIB, somam-se ao aumento consequente do desemprego, que vinha de antes. Se já havia 12% de desempregados, agora, não se trata apenas de serem 13% ou 14 %, mas de que a economia não dá sinais de vida para absorver cerca de 25 milhões de pessoas, somando-se aos que procuram trabalho os “inimpregáveis”. É muita gente. Terminada a pandemia (oxalá!), daremos de encontro com a insuficiência da economia para abrigar a muitos, principalmente os de menor qualificação. (…)
É disso que precisamos: de alguém que indique um caminho de superação e permita voltarmos a acreditar em nós próprios. E cujas palavras e ação não se percam na retórica chinfrim, mas anime muitos outros mais a dar vida ao que se propõe. Que se reinvente nosso futuro.