Filha diz que Olavo ‘chegou a ter três esposas muçulmanas ao mesmo tempo’

Da Época:
Aos 49 anos, Heloísa de Carvalho Martin Arribas mora numa casa simples e aconchegante em Atibaia, com árvores e flores pelo quintal. Professora de artesanato, saiu do anonimato em 2017, quando escreveu “Carta aberta a um pai”. O texto relata parte da infância dela e dos irmãos, período marcado pela ausência do pai, o ideólogo de direita Olavo de Carvalho, guru do governo de Jair Bolsonaro. Heloísa o acusa de não a ter enviado à escola. Carvalho, ainda segundo a filha, teria colocado a família para morar nos fundos da Escola Júpiter, onde dava cursos de astrologia, enquanto usava a casa da frente para se relacionar com a nova esposa. Em entrevista a ÉPOCA, Heloísa fala sobre o relacionamento com o pai e sobre a mágoa em relação ao abandono intelectual — ela foi alfabetizada pelo Mobral, antigo programa do governo de alfabetização de adultos.
Você tinha um relacionamento ruim com seu pai?
Eu sempre tive contato com meu pai. Todas as férias, quando dava, ia passar uns dias na casa dele no Rio ou em Curitiba. Mesmo depois de 2005, quando ele foi para os Estados Unidos, falávamos por e-mail, telefone, WhatsApp. Essa distância que meu pai diz que existe entre nós nunca existiu. Sempre tivemos contato. É apenas uma maneira de ele dizer “não sei da vida dela”, “é uma filha que coloquei no mundo e perdi”. Uma forma para justificar a falta de responsabilidade como pai, como não ter mandado os filhos para a escola. Não é nada disso que ele fala. Fico pasma de os meus irmãos dizerem que quem mente sou eu.
Vocês tiveram uma criação religiosa?
Teve épocas em que rezávamos antes das refeições, mas minha mãe rezava porque era obrigada. Isso não durou nem um ano e não íamos mais à missa. Quando fui morar com meu pai e a Silvana, a segunda esposa dele, frequentávamos uma igreja na Mooca de vez em quando, mas também não durou. Acordar cedo nunca fez parte da vida do meu pai. Às vezes, chegávamos atrasados à missa por ele perder a hora. Hoje ele se diz católico desde criancinha, mas foi muçulmano e levou todos os quatro filhos, minha mãe a as esposas dele na época para o islamismo. Chegou a ter três esposas muçulmanas ao mesmo tempo. Não batizou nenhum dos quatro filhos do primeiro casamento. Dos outros casamentos não sei, mas nunca ouvi falar em madrinha ou batismo. Ele me casou no islamismo. Eu optei por ser católica e, em 2015, depois de adulta, fui batizada.
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Você diz que não estudou, que foi alfabetizada no Mobral. Seus pais eram contra a escola?
Não é que proibissem, mas nunca deram importância. Quando a gente ia à escola, não tinha material, roupa, uniforme. Nessa época, eu era criança. Morávamos na Zona Norte de São Paulo e ele chegou até a matricular a gente numa escola particular chamada Recanto da Petizada. Mas não pagava. Eu voltava da escola levando o boleto de cobrança para casa. Também não pagava perua para levar para a escola. Não tinha como ir. Só consegui me alfabetizar mesmo quando me matriculei no Mobral, incentivada por minha tia, que era professora.
Quando você deixou de morar com seus pais para morar com sua tia?
Minha mãe e meu pai se separaram e eu fiquei primeiro morando com ele e a Silvana, a segunda esposa dele. Eu tinha uns 11 anos e a Silvana havia tido a minha irmã Inês, que era um bebê ainda. Silvana não era boa dona de casa. Eu vivia jogada, sem comida pronta, roupas limpas ou ajuda para estudar. Às vezes, tinha de comprar cartolina para levar para a escola e eu não achava nem meu pai nem ela para pedir dinheiro. Ficava sem o material. Morria de vergonha. Tinha uma amiguinha que morava no mesmo prédio que eu e que estudava na minha classe. Quando dava, ela dividia o material comigo. Tenho muita saudade dela, mas nunca mais a encontrei. Só sei o primeiro nome dela: Irina. A única lembrança que guardei foi uma foto nossa. Eu com o cãozinho dela e ela com meu gatinho, tirada pela Silvana, no prédio onde morávamos, na Rua Tutoia.
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