Governo Bolsonaro é “promissor”, diz Mangabeira Unger, guru de Ciro Gomes

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o filósofo e teórico social Roberto Mangabeira Unger e também guru de Ciro Gomes, candidato derrotado na corrida presidencial de 2018, respondeu à perguntas referentes à eleição deste ano:
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Como o sr. explica a ascensão de Bolsonaro? PSDB e PT juntos, duas cabeças da mesma serpente, conduziram o Brasil por uma lógica da cooptação. Cada parte do país foi comprada, a corrupção foi apenas um dos vários corolários desse sistema. Intuitivamente o Brasil buscava passar da lógica da cooptação para a lógica do empoderamento. E por trás dessa rejeição ao PT havia o repúdio à lógica da cooptação.
O modelo que chamamos de nacional consumismo democratizou a economia do lado da demanda e do consumo, não do lado da produção. O agente social mais importante do Brasil, os emergentes, é órfão de projeto político. Não é apenas a pequena burguesia empreendedora mestiça, morena, que vem de baixo. É também uma multidão de trabalhadores pobres que vê nos emergentes a vanguarda. Essa é a cara do Brasil profundo.
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O sr. concorda com essa estratégia de oposição sem o PT? Existe a tarefa pedagógica de esclarecer a divergência de fundo. PT não é esquerda. Precisamos de inovação estrutural. Andar demais com o PT é um perigo sob o ponto de vista dessa tarefa.
E eles continuam a ter aspirações hegemonistas, então é difícil andar com eles. Acham natural eles liderarem. Como vão liderar? Eles se esborracham porque não compreenderam o que o país queria.
Não é razão para não conversar com eles. Por exemplo, eu hoje à noite [dia 5] vou jantar com Haddad. Não vou dizer que eles são diabólicos, mas os puritanos nos EUA têm um provérbio: “quando jantar com o diabo, use uma colher muito comprida”.
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Bolsonaro fará um bom governo? Me parece promissor, e falo como opositor, a ideia de impor o capitalismo aos capitalistas. Nem de longe é condição suficiente para o modelo de desenvolvimento que precisamos, mas é condição preliminar. A radicalização da concorrência, quebra dos cartéis, a destruição dos favores dados aos graúdos pelos bancos públicos.
E de oferecer aos emergentes um projeto político que responde às aspirações deles. Considero que a resposta é tosca e que irá frustrar parte da população. Mas é melhor do que nada. O que era intolerável no nosso país é que o agente social mais importante estivesse alienado da política e não se sentisse representado.
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Bolsonaro é uma ameaça à democracia? Não vejo qualquer indício concreto de ameaça direta à democracia. Em Harvard, meus colegas me abraçam em solidariedade porque passa por lá que Mussolini assumiu o poder. Não é nada disso. O risco que nos ronda não é a ditadura fascista, é a perpetuação da mediocridade. O risco à democracia pode haver depois, por sucessivas frustrações dessas aspirações dos emergentes, de empoderamento.
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