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Governo Bolsonaro segue a receita da ruptura com o Congresso, diz Estadão

Jair Bolsonaro e a sede do jornal O Estado de S.Paulo. Foto: Wikimedia Commons

Do editorial do Estado de S.Paulo.

Num regime democrático, o governo não pode tratar o Congresso como inimigo. Ao fazê-lo – por exemplo, ao dizer que o país não avança porque os parlamentares não aprovam ou sabotam seus projetos –, o governo manifesta inclinação pelo autoritarismo e, no limite, dá a entender que não reconhece a legitimidade dos deputados e senadores igualmente eleitos pelo voto direto. Quem age assim sugere disposição de criar um clima de confronto, algo que só interessa a quem acalenta tendências autoritárias.

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Considerando-se conectado diretamente aos eleitores, o governo que revela esse caráter demagógico alimenta uma crise que pode desembocar numa ruptura – e são inúmeros os exemplos históricos de governantes que violaram a Lei Maior porque se sentiam tolhidos para exercer um poder que julgam ter recebido do povo, estando manietados pelo Parlamento e pelo Judiciário. Mais recentemente, verifica-se o fenômeno de autocratas que nem precisaram dar um golpe clássico, com tanques e militares, para vergar as instituições a propósitos. Na Venezuela, o chavismo se impôs minando paulatinamente o Parlamento e a Suprema Corte, enquanto destruía a imprensa livre, sufocando economicamente os jornais críticos do regime, e arregimentava cada vez mais apoio popular graças ao mais desbragado clientelismo.

Esse trabalho de destruição da democracia por dentro – que inclui a desmoralização da política, o frequente desafio à Constituição e o ataque sistemático à imprensa nos últimos tempos, ficou tremendamente facilitado pelo trabalho de aguerridas milícias digitais. Essas milícias multiplicam o poder de destruição da reputação daqueles que ousam questionar o governo ou salientar seus aspectos autoritários.

Um governo que escolhe cercar-se não de articuladores políticos, mas de delinquentes digitais, demonstra evidente desapreço pela democracia e indisfarçável desejo de provocar uma ruptura institucional. O antídoto para essa insensatez é dobrar a aposta na democracia: o Congresso deve ser capaz de recuperar o valor da negociação política, o Judiciário deve preservar o império da lei contra os ímpetos liberticidas e a imprensa deve ter serenidade para mostrar a verdade dos fatos no momento em que a máquina governista de desinformação está a pleno vapor.