Apoie o DCM

Haddad no Le Monde: “Europa precisa restaurar sua tradição de apoio às lutas sociais na América Latina”

Haddad
DOUGLAS MAGNO / AFP

Em artigo publicado no Le Monde, Fernando Haddad fala sobre a relação da Europa com a América Latina, deteriorada após a chegada de Jair Bolsonaro à presidência.

“O Brasil está confrontado a um governo que sabota a luta contra a pandemia e isola o país”, denuncia o ex-prefeito de São Paulo

Segundo ele, a União Europeia “deve restaurar sua tradição de apoio às lutas sociais e políticas nos países latino-americanos”.

Leia alguns trechos abaixo:

No mês de Janeiro, na intervenção que marcou o começo da presidência europeia em Portugal, o premiê Antônio Costa designou a Índia como parceira prioritária da União Europeia. Nesse mesmo mês, Armin Laschet, o novo líder da CDU de Angela Merkel, defendeu uma abertura pragmática em direção à Ásia. Outrora parceiros indispensáveis dos europeus, os países da América Latina parecem ter se tornado atores geopolíticos secundários. Isto apesar das tentativas, quase todas frustradas, de avançar nas negociações pelo acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. 

O deslocamento da nossa região da arena internacional é incontestável. O Brasil está confrontado a um governo que sabota a luta contra a pandemia e isola o país. A ausência de diálogo entre Brasília e Buenos Aires impede o Mercosul de agir para reduzir a instabilidade institucional no Perú, na Bolívia e no Ecuador. Por fim, uma terrível crise política e econômica levou ao declínio da Venezuela, antigamente uma potência regional. (…)

O que torna o momento atual único é o fato do Brasil ser representado por um governo que nega o papel geopolítico da América Latina.

Para fazer face a essa situação, que nós esperamos ser transitória, a Europa precisa restaurar a sua tradição de apoio às lutas sociais na América Latina. Ela não pode seguir mecanicamente Washington na sua política de sanções contra a Venezuela ou na Bolívia, vítima de uma intervenção inconstitucional apoiada pela Organização dos Estados Americanos. Bruxelas precisa reafirmar a sua defesa das soluções políticas regionais. 

No tema do ambiente, a União Europeia precisa abordar a questão da Amazonia como uma luta pela humanidade e não apenas uma questão comercial. O discurso de Emmanuel Macron sobre a Amazônia, que suscitou uma forte reação nacionalista no Brasil, seria muito mais eficiente se a França destacasse os atores privados, públicos e sociais brasileiros que, no terreno, lutam todos os dias contra as políticas devastadoras do governo Bolsonaro. 

Esse novo engajamento é do interesse dos europeus. Na sua busca para se tornar uma potência internacional, a União Europeia precisa da América Latina, com a qual ela partilha interesses estratégicos. A busca pelas nossas autonomias respectivas deve estar no coração das nossas relações. (…)