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Haddad sobre Lula: “a gente acredita que em algum momento a inocência dele vai ser reconhecida”

O jornalista Fernando Grostein Andrade entrevistou Fernando Haddad na Folha de S.Paulo.

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Ao que o sratribui a escalada de ódio contra o Lula?

Eu acho que aconteceu uma coisa no Brasil que precisa ser estudada com mais vagar. Os ricos ficaram mais ricos, os pobres ficaram bem menos pobres, e a camada intermediária estagnou e até perdeu posição relativa em relação aos extremos.

Eu acho que isso gerou um ressentimento de pouca atenção para aquele trabalhador que tinha o filho na escola particular, porque queria dar mais qualidade de ensino do que o oferecido pela escola pública, que tinha um plano de saúde porque queria ter um atendimento médico superior ao oferecido pelo SUS.

Havia um ressentimento das classes médias tradicionais que efetivamente não mudaram de patamar. Elas viram o rico se distanciar e o pobre se aproximar. A gente tinha que cuidar dessa camada social intermediária, porque às vezes não se tratava só de bens econômicos.

Às vezes era um chamado para um país mais justo. Então tinha até aberto uma agenda, uma agenda política com estes setores intermediários. E esse ressentimento se acumulou, e obviamente que os escândalos acabaram alimentando esse sentimento.

Acho que tanto o caso de 2005, do mensalão, quanto o caso da Petrobras alimentaram um certo ressentimento.

Como o sr os escândalos do PT, que tinha como sua principal bandeira combater a corrupção?

É evidente que existe um gradiente de comportamentos menos graves e mais graves. Embora todo erro deva ser condenado, você não pode comparar uma pessoa que assaltou os cofres públicos para enriquecimento pessoal de uma outra que eventualmente não registrou R$ 5.000 que foram doados para a campanha dele num jantar. Dinheiro lícito.

Eu acho que tem muito político que admitiu receber recursos não contabilizados para pagar dívidas de campanha, mas que não pensava que esse recurso pudesse ter origem ilícita. Acho que a Justiça precisa dar um tratamento para esse sujeito, que está previsto na lei –duro, mas proporcional ao delito.

O ex-presidente Fernando Henrique falou na entrevista que fiz com ele que o que separava o PT e o PSDB no passado era muito mais disputa de poder do que ideológica. Falou que se pudesse ter voltado no tempo teria se aproximado do Lula e de forças progressistas. Essas afirmações e movimentos fazem sentido para o senhor?

Fazem. O PT tem críticas ao governo do Fernando Henrique. Vou citar uma delas, que é a agenda social. O PSDB tem uma crítica aos governos do PT, sobretudo ao governo da presidenta Dilma, porque, em relação ao Lula em 2010, você há de lembrar que o [senador tucano José] Serra não fez oposição ao Lula. Eu, por exemplo, fui criticado por ter ido à ópera com Fernando Henrique.

Era boa, pelo menos? (risos)

A ópera era muito boa e a companhia também (risos), porque as nossas divergências não podem implicar que a gente não possa sentar à mesa para conversar. Eu não preciso pensar igual a ele. Aliás, tem coisa mais enfadonha do que sentar com alguém que pensa exatamente o que você pensa?

Não tem troca. A troca vem da diferença. […] Houve várias oportunidades em que os riscos aumentaram e a gente não teve a grandeza de sentar à mesa juntos e falar: “Isso não. Isso aqui põe em risco o Brasil. Nós vamos conseguir juntos isso aqui.” Na hora que os EUA estão em algum tipo de risco, os presidentes todos se unem. Não importa se é democrata, republicano, tem uma questão maior, a saúde da nação.

sr. tem convicção da inocência do ex-presidente Lula?

Eu tenho a convicção de quem leu o processo. Eu sempre repito que eu defendo a honra de uma pessoa independentemente de posição partidária. Fui perguntado já duas ou três vezes sobre as acusações que se faz ao governador Alckmin. Eu disse: “Olha, trabalhei quatro anos como prefeito e ele governador. Nunca ouvi nada de um empresário”. Porque essas notícias nos bastidores correm, sobre quem é correto e quem não é. Então eu li o processo e eu acho insustentável aquela sentença [contra o Lula].

Bom, não vou passar mão nem na cabeça de Lula, nem de Alckmin, nem de Fernando Henrique, nem de um filho meu. De novo, uma coisa é agenda partidária, outra coisa é agenda de Estado. Defender a honra de uma pessoa que você sabe que procede de maneira correta, você não pode fazer política em torno disso.

Se Lula for impedido de concorrer, qual sua leitura sobre a nossa democracia?

Eu acho ruim sob todos os aspectos. Porque vai ficar mais uma mácula na nossa história democrática, e grave. Não é uma coisa qualquer o que vai acontecer, de maneira que eu preferia que isso tivesse um outro desenlace.

srconsidera sair como candidato a presidente caso Lula esteja impedido de concorrer?

Eu não coloquei minha candidatura. Existe hoje um sentimento de solidariedade ao Lula tão grande dentro do PT que, estou sendo muito sincero, ninguém conversa sobre isso nem nos bastidores.

A gente acredita que em algum momento a inocência dele vai ser reconhecida. Agora, existe a chance de isso não acontecer? Existe. Mas nós não estamos trabalhando com essa hipótese e não estamos elaborando cenários, no caso de ocorrer. É uma situação de risco, mas que nós quisemos assumir.

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Fernando Haddad. Foto: Pedro Zambarda/DCM