A homenagem de Duvivier para sua filha Marieta

Do Facebook de Afonso Borges:

São 3h19. Provavelmente, a esta hora, Gregorio Duvivier deve estar assim, como esta fotinha que me mandou: “olha o que estou fazendo, Afonso, segurando esta precisidade”. E aí ele vai e escreve esta outra preciosidade. Marieta merece. E nós ficamos com a rebarba, babando.

Querido Deus,

antes de mais nada, desculpa qualquer coisa. Sei que faz tempo que eu não falo com você. A última vez foi naquele meio segundo em que um ônibus veio desgovernado na minha direção. Foi tão rápido que o senhor nem deve lembrar. Ah, o senhor lembra de tudo? Então, era eu.

Tô super em falta, eu sei. E sim, eu sei que é estranho agradecer a alguém que eu costumo achar que não existe. É que o senhor, com todo respeito, deu alguns indícios fortes de que não existia. Aquele avião da Chapecoense, o câncer de uma amiga, o Temer ter sobrevivido àquela pedra. Tudo indicava que o senhor, ou bem não existia, ou bem fazia péssimas escolhas.

Até que minha filha nasceu. E desde que ela nasceu, linda, cabeluda, bochechuda, e risonha, e mama horas seguidas, e arrota no meu ombro um arroto com cheiro de lavanda, e baba uma baba com cheirinho de nuvem e depois suspira e dorme encostada no meu peito, e meu dedo mindinho encosta na palma da mão dela e ela segura com toda a força do mundo, e enquanto isso a palma da minha outra mão sente um pum saindo do bumbum dela, e eu olho pra minha mulher e ela tá rindo o riso mais bonito do planeta, ela tá com o cabelo desgrenhado, o olhar de quem não dorme há três dias e só um peito pra fora todo embebido de gordura de picanha que é a única coisa que faz a dor passar, e, ainda assim, ela é a mulher mais bonita que eu já vi em toda a minha vida, e a gente fica rindo e já nem lembra o porquê, mesmo sabendo que essa noite nenhum de nós três vai dormir, mas quem é que se importa em dormir, dormir é superestimado, sexo é superestimado, sair de casa é superestimado, bom mesmo é sentir o cheiro dessa cabecinha perfumada e dançar os três apertadinhos pelo apartamento, e de repente o som começa a tocar “em algum momento da minha infância ou juventude”, é a Fraulein Maria cantando pro Capitão Von Trapp, “eu devo ter feito alguma coisa certa, afinal você tá aqui, na minha frente, me amando”, e a gente se olha e começa a chorar, e eu já nem sei se é tarde demais pra dizer: Obrigado, Senhor. […]

Erika K Nakamura

Erika K. Nakamura, 36 anos, advogada de formação, abraçou a fotografia e o jornalismo por paixão. Com seu iPhone 5 capta imagens originais e surpreendentes dos lugares pelos quais passa. É uma leitora sedenta de livros sobre a história da Inglaterra -- e também dona do coração do jornalista Paulo Nogueira.

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