“Impeachment é típica conspiração palaciana”, diz cientista político
Do El Pais:
Fabiano Santos, cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-UERJ) conhece bem as entranhas do sistema político brasileiro e é muito crítico da conjuntura atual, turbinada por constantes revelações da Operação Lava Jato. (…)
Pergunta. Acredita que o PMDB na presidência teria como superar a crise política e econômica?
Resposta. O PMDB encontra-se envolvido em todos os episódios de corrupção que são utilizados para atingir o PT. Dificilmente os atores hoje inconformados com o Governo, à esquerda e à direita, enxergariam nas lideranças deste partido autoridade e competência para administrar a crise, sobretudo em uma conjuntura que para muitos resulta de um golpe palaciano.
(…)
P. Como as manifestações contra o Governo têm influenciado no decorrer dos acontecimentos em Brasília?
R. Através da mídia, extremamente concentrada e partidarizada, exercendo pressão sobre os políticos indecisos, narrando as manifestações como se fossem expressão do povo, quando todos sabemos que são expressão de parte muito específica da população.
P. Você enxerga hoje a apropriação de símbolos e datas associadas ao golpe do 64 pelos manifestantes pró-impeachment?
R. Parte significativa deles sim. Mesma simbologia, mesma retórica, mesmos interesses… Surpreendente!
P. Você acha que, realmente, há uma polarização majoritária na sociedade brasileira ou existe uma massa crítica silenciosa e maior que não se manifesta nem um sentido ou em outro?
R. Há uma polarização forte e um eleitor médio que se sente incomodado e traído pela crise econômica, cujas origens pouco dizem respeito ao que o Governo fez ou deixou de fazer, e que não percebe que a quebra das regras é a pior solução.
Pergunta. O que significaria para o Brasil um processo de impeachment vitorioso contra Dilma Rousseff?
Resposta. Significaria a quebra da regra do jogo democrático e a revelação de que as bases institucionais da democracia brasileira ainda são frágeis, ao contrário do que vínhamos imaginando desde a promulgação da Constituição de 1988. Em última instância, o processo de impeachment ora em curso no Brasil configura um golpe de estado, pois carece de fundamento legal. Trata-se de típica conspiração palaciana, apoiada por setores monopólicos dos meios de comunicação e setores do Poder Judiciário. Se bem sucedida a conspiração, teremos de rever nossas agendas de pesquisa para os próximos anos, no sentido de se tentar analisar desenhos mais equilibrados de distribuição de poder entre o Judiciário e o restante do sistema político e uma regulação eficiente do caráter monopólico e partidarizado dos meios de comunicação. Vários colegas têm se debruçado há anos sobre estes temas. Certamente, agora, serão mais ouvidos e terão suas opiniões mais respeitadas.
(…)
P. Como o PSDB, e sua maneira de fazer oposição, passará a história após esta crise?
R. Como a reedição talvez menos glamorosa da velha UDN, partido que conspirou em favor do golpe em 1951, em 1954, em 1961 e, finalmente de forma bem sucedida, em 1964.
P. Como você avalia a entrada do Judiciário no jogo político brasileiro?
R. No geral, em sua maioria, está ocupando o espaço deixado pelos militares – aparentemente entra como Poder Moderador, mas acaba adotando um dos lados no contexto de polarização social. Os militares no Brasil, desde a primeira República, viam-se como Salvadores da Pátria, como uma corporação responsável pela limpeza dos costumes políticos do país. Eles sempre intervieram na estrutura política, provocados por civis, no sentido, de depurar o sistema político da corrupção. Mas eles sempre foram péssimos para a democracia. A mesma coisa estamos vendo agora nas mãos do judiciário e o Ministério Público que acabam sendo instrumentos de uma luta social polarizada. Eles terão de fazer uma profunda revisão de seu papel e dos limites à sua atuação em um futuro imediato.