José Padilha diz que está sofrendo “linchamento moral” e se compara a Malcolm X

Da coluna de José Padilha na Folha:
No dia 13 de abril de 1964, Malcolm X iniciou sua jornada espiritual ao Oriente Médio. Na Arábia Saudita, presenciou a confluência de pessoas de várias raças no entorno de Meca. Voltou mudado aos Estados Unidos. Anunciou que seu inimigo não era o homem branco, era o ódio. Malcolm X dormia com sua mulher e seus filhos quando duas bombas incendiárias foram lançadas dentro de sua casa.
Acordou em meio à fumaça, correu, ajudou a mulher a resgatar duas filhas e um bebê. Conseguiu escapar. Uma semana depois, levou um tiro de 12 no peito. Seus assassinos, também negros, provaram sua tese: o inimigo não era o homem branco, o inimigo era o ódio. Conheci Marielle Franco no mesmo dia em que conheci Marcelo Freixo. Foi no Cine Odeon, em um debate ancorado na projeção de “Ônibus 174”, meu primeiro filme.
Participamos de outros debates. Tenho alguns deles filmados. Freixo e Marielle nunca me chamaram de fascista. Pelo contrário, me ajudaram na pesquisa e na pré-produção do “Tropa 2”.(…) Cheguei ao Brasil para assinar contrato. O meu trabalho seria ajudar na montagem do “writers room”, escrever um roteiro em parceira com a Antonia e dirigir o primeiro de, no mínimo, oito episódios. Além disso, queria ajudar Antonia, a Globoplay e o Instituto Marielle Franco a treinar novos talentos, usando a série como uma espécie de escola.(…)Foi um linchamento moral sem direito a respostas ou tempo para explicações.
Os linchadores reduziram tudo à cor da minha pele, como se eu fosse fazer o projeto sozinho, como se não fôssemos contar a história de Anderson, um homem branco, como se não fôssemos montar uma equipe repleta de realizadores negros. Linchamentos sumários são compatíveis com os valores de Marielle?(…) O pensamento de Martin Luther King é incompatível com a limitação da liberdade de expressão, com o julgamento de pessoas com base na sua cor e na sua sexualidade. A política de identidade é fundamental, mas levada ao extremo fulmina gente como Malcolm X. (Não, não estou me comparando a Malcolm X.)
(…)