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Kim Kataguiri: “Tem gente bem intencionada na esquerda”

Kim Kataguiri. Foto: Reprodução/YouTube

O jornalista José Fucs entrevistou Kataguiri no Estado de S.Paulo.

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Como o senhor, com apenas 23 anos, vindo do MBL, um movimento que surgiu à margem da política tradicional, foi recebido no Congresso? Houve uma desconfiança, uma resistência dos deputados mais antigos?

Na questão da idade, havia muito ceticismo no começo. Era uma postura do tipo “não vamos passar um projeto relevante, não vamos colocá-lo em Comissão relevante, porque ele ainda é meio inexperiente e pode fazer besteira”. Mas acredito que consegui superar isso rapidamente, quando eles viram que eu estava efetivamente me dedicando às pautas. Sei o que está sendo votado, tenho meu ponto de vista, oriento outros deputados. Aproveitava todas as oportunidades de usar a tribuna para mostrar que realmente estava participando do debate. Agora, por outro lado, acho que foi uma transição suave, em comparação com a de outros deputados que também estão no primeiro mandato, porque eu já tinha um contato da época do impeachment com deputados que se reelegeram. Muitos dos que eu já conhecia, com quem eu tinha um bom relacionamento, ainda estão lá. Entre os novos deputados, também. Boa parte já conhecia das manifestações. Então, isso até me permitiu fazer o “meio de campo” entre quem já estava lá e quem chegou agora.

Qual a sua visão do Congresso depois desses primeiros meses de mandato?

Primeiro, teve um baque bem negativo. Pela própria natureza burocrática do Parlamento, as pessoas ficam muito tempo no plenário, discursando e discutindo coisas que não têm nada a ver com o projeto que está em debate, ainda mais no começo, quando as comissões temáticas ainda não estão funcionando. Nas primeiras semanas, só tinha gente discutindo acordo internacional, que é geralmente o que os deputados votam às quintas-feiras, porque não tem discussão, controvérsia nenhuma. Botam o dedo no terminal de votação e vão embora. Lembro que, nas primeiras semanas, a gente aprovou um compartilhamento de espaço aéreo com as Bahamas e tinha deputado do PT fazendo questão de ir na tribuna e falar como a democracia tinha ido para o brejo e o governo Bolsonaro estava destruindo tudo. Nem havia começado o governo Bolsonaro. Do outro lado, tinha o pessoal do PSL subindo na tribuna para falar que o Lula estava preso. É muito tempo, muito trabalho, muito desgaste, para pouca produtividade. Isso foi uma frustração grande, uma primeira decepção.

Houve mais alguma decepção?

Teve outra, que me deixou bastante chateado no início do mandato. Eu vi que uma parte significativa dos novos deputados, que haviam renovado a Câmara, não estava muito disposta a debater projeto. Eles estavam lá mais para fazer propaganda, para jogar para a torcida. Estavam mais preocupados com a imprensa, para manter a visibilidade e ascender midiaticamente, do que em efetivamente deixar um legado, com a aprovação de propostas que vão durar 100, 200 anos. Vi também que  pouca gente havia estudado o regimento. Isso fez com que a base do governo desse e ainda dê várias caneladas regimentais, obstruindo a votação sem querer, sem saber o que está obstruindo. A ânsia de falar, de focar muito no discurso, de criar antagonismo com o outro lado é tão acentuada que na hora de orientar a votação esquecem até de qual era a votação.

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Recentemente, o MBL fez uma autocrítica, reavaliando a sua postura até agora e sua relação com o governo Bolsonaro. Qual a sua posição nesta questão? Para onde está indo o MBL?

Para mim, na época do impeachment e do governo Temer, o principal erro do MBL foi ter misturado as pessoas de esquerda que tinham contato com o poder, haviam cometido crime e estavam mal-intencionadas com quem simplesmente era de esquerda e discordava da gente. Isso apequenou a nossa visão do debate, apequenou o debate público, muito catalisado por essa lógica de visibilidade, do espetáculo. Ainda hoje, mas ainda mais na época do impeachment, a briga chama mais a atenção do que a construção e o consenso. Neste sentido, para mim, a convivência no Parlamento está sendo bem positiva.

O senhor quer dizer que tem gente de esquerda do bem?

Exatamente. Tem gente de esquerda que discorda diametralmente do que eu penso, mas é bem-intencionada, acredita realmente naquilo. Não está roubando nem sendo financiada com dinheiro de corrupção. Nada do gênero. Isso ajuda bastante a fazer a construção política. Tem pautas que não chamam tanto a atenção, mas ajudam a desenvolver o País. Na semana passada, por exemplo, apresentei um projeto na Comissão de Trabalho, para dispensar os municípios da obrigação de publicar um comunicado num meio oficial atestando o recebimento de qualquer recurso da União e dos Estados. Como o governo não existe, o projeto foi aprovado com voto do PCdoB, PT, PDT, PSB e do PL. Agora, o município pode publicar isso no próprio site. É uma questão que não gera controvérsias partidárias, ideológicas. Então, se você tiver um bom relacionamento e pensar pautas que não vão gerar tanta controvérsia, é mais fácil aprovar os projetos no Parlamento. A contrapartida é que a visibilidade disso no debate público é zero. É um trabalho virtuoso, mas os parlamentares não têm incentivo para fazer isso, porque o eleitorado quer ver briga. Esse é o problema fundamental que a gente vive hoje no Brasil e que raptou a maior parte dos parlamentares de primeiro mandato: a sedução pelo debate público, que não é profundo.

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