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Lilia Schwarcz: Brasileiro abandonou ‘máscara’ de cordial e assumiu sua intolerância

Lilia Schwarcz. Foto: Reprodução/YouTube

Reportagem de Camilla Veras Mota na BBC Brasil.

As manifestações em 2013 e o impeachment da presidente Dilma Rousseff “abriram a tampa da democracia no Brasil e permitiram aflorar sentimentos que andavam um pouco reclusos”, diz a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz.

Para ela, até então o brasileiro zelava por uma imagem “de muito receptivo, muito aberto” que servia de verniz para uma intolerância e um autoritarismo que ficavam escondidos e que estavam enraizados na própria história do país – a característica mais marcante do “homem cordial” descrito em 1936 pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda.

O conceito, que dá nome ao capítulo mais célebre do livro Raízes do Brasil, foi muitas vezes mal interpretado como um elogio – quando queria expor, na verdade, “uma representação do que queríamos ser”, explica a historiadora.

A “cordialidade” que se manifesta, por exemplo, no uso de diminutivos ou na informalidade que marca a nossa cultura seria o expediente usado para misturar as relações públicas e privadas e guardar uma proximidade que, na verdade, disfarça as distâncias sociais. Algo que “evita as hierarquias para, no silêncio, reafirmá-las”.

Quase 80 anos depois, em um contexto de avanço do conservadorismo no mundo e de crise das democracias, esse homem “tira a máscara”.

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No recém-lançado Sobre o Autoritarismo Brasileiro (Companhia das Letras), escrito entre outubro de 2018 e março deste ano, ela traça um longo histórico da violência, da corrupção, das desigualdades sociais, da intolerância e das questões de raça e gênero no país para discutir o momento atual, que caracteriza como uma “guinada conservadora e reacionária”.

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BBC News Brasil – Voltando ao seu comentário sobre o fato de o fenômeno de ascensão da direita ser global. Em que medida ela não se deve também a uma crise global das democracias liberais, que não estão conseguindo mais dar conta dos efeitos da globalização, aumento da desigualdade, da violência?

Schwarcz – Com certeza, eu digo no livro que corrupção, violência, insegurança não são sentimentos inventados por Bolsonaro.

Costumo dizer que a minha geração falhou. Colocou todas as fichas na democracia e não lidou muito bem com o que fazer com a nossa recessão, o que fazer com as populações que vão ascendendo e que não se espelham exatamente nesse momento.

Como é que a gente pode valorizar a nossa Constituição, mas também mostrar as suas falácias? Quais são os nós que resolvemos não enfrentar e que vão aparecendo agora?

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