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Mãe da vacina contra covid-19 diz que “provavelmente” voltaremos à vida normal em julho

Katalin Karikó. Foto: Wikimedia Commons

De Nuño Domínguez no El País.

Uma mulher que nasceu em uma pequena cidade húngara e cresceu feliz em uma casa de adobe sem água corrente nem eletricidade é hoje uma das cientistas mais influentes do planeta. Suas descobertas foram fundamentais para tornar possíveis as duas principais vacinas que podem nos tirar desta pandemia.

“Eu era uma menina feliz. Meu pai era açougueiro e eu gostava de vê-lo trabalhar, observar as vísceras, os corações dos animais, talvez daí tenha vindo minha veia científica”, conta Karikó ao EL PAÍS de sua casa nos arredores de Filadélfia, EUA. Depois de estudar Biologia na Hungria, Karikó foi fazer doutorado nos EUA em 1985 e nunca mais voltou. “Estive a ponto de ir para a Espanha com o grupo de Luis Carrasco, que estava interessado em meu trabalho, e também para a França, mas a Hungria comunista dificultava muito as coisas”, explica.

Agora parece inacreditável, mas, durante toda uma década, a de 1990, ninguém apoiou a ideia de Karikó: fazer tratamentos e vacinas com base na molécula de RNA, exatamente a mesma usada pela Moderna e a BioNTech contra o coronavírus. “Recebia uma carta de rejeição atrás da outra de instituições e empresas farmacêuticas quando lhes pedia dinheiro para desenvolver essa ideia”, explica a bioquímica de 65 anos nascida em Kisújszállás, a 100 quilômetros de Budapeste. Ela mostra uma carta da farmacêutica Merck rejeitando seu pedido de 10.000 dólares (52.000 reais) para financiar sua pesquisa. Agora, a Moderna e a BioNTech receberam centenas de milhões de euros de fundos públicos para desenvolver em tempo recorde suas vacinas de RNA mensageiro, a mesma ideia que Karikó e outro pequeno grupo de cientistas tentaram impulsionar há 30 anos sem sucesso.

A ideia era boa, mas não estava na moda. Queriam usar uma molécula frágil e efêmera para curar doenças ou evitar infecções de forma permanente. O RNA é uma molécula sem a qual não poderia existir a vida na Terra. É o mensageiro encarregado de entrar no núcleo de nossas células, ler a informação contida em nosso manual de instruções genético, o DNA, e sair com a receita para produzir todas as proteínas de que necessitamos para nos mover, ver, respirar, reproduzir-nos, viver.

Karikó queria usar as células do próprio paciente para que fabricassem a proteína que os curaria, injetando-lhes uma pequena mensagem de RNA. “Todo mundo entende isso agora, mas naquela época, não”, lamenta a cientista.

Naqueles anos, o que triunfava era a terapia genética, baseada em mudar o DNA de forma permanente para corrigir doenças. Essa visão começou a ser relativizada quando se demonstrou que a modificação do DNA pode gerar mutações letais e quando alguns pacientes morreram em ensaios clínicos.

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