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Marcelo Rubens Paiva: “Ame-o ou Deixe-o” não era impositivo demais?

Marcelo Rubens Paiva

O escritor Marcelo Rubens Paiva questiona em sua coluna no Estadão: “‘Ame-o ou Deixe-o’ não era impositivo demais?”

Leia alguns trechos:

O sonoro “America, love it or leave it” virou “Brasil, ame-o ou deixe-o”, exaltado numa máquina eficiente de propaganda em anúncios, spots na rádio e TV e músicas ufanistas que exaltavam nossas belezas, enquanto os descontentes… 

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O slogan adaptado pela ditadura brasileira era reproduzido em adesivos colados nos vidros traseiros dos carros produzidos pela indústria aquecida do Milagre Brasileiro do único país três vezes campeão do mundo no futebol.

“Ame-o ou Deixe-o” não era impositivo demais? Tinha que ser assim, não tinha espaço para se opor? Não poderia ser “Ame-o ou Ame-o Com Apoio Crítico”? Ou “Ame-o ou Aceite-o Sem ‘Mimimi’”? Que tal “Ame-o ou ‘Chole Mais’”?

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“Adoro meu Brasil de madrugada, lá, lá, lá, lá, nas horas que eu estou com meu amor, minha amada vai comigo aonde eu for… As noites do Brasil têm mais beleza, lá, lá, lá, lá, a hora chora de tristeza e dor, porque a natureza sopra e ela vai-se embora enquanto eu planto amor…”

“Lá, lá, lá, lá” coisa nenhuma! Discordava com veemência. Eu tinha insônia e bronquite alérgica, passava noites em claro na janela respirando fundo, como o médico especialista em alergia ensinara, olhando a orla do Leblon, ouvindo o barulho das ondas, inspirando a maresia das madrugadas. Minhas noites não eram nada belas, e eu detestava as madrugadas, em que não havia o que fazer, a não ser ouvir o rangido dos meus pulmões, que chamávamos de “gatinho”, olhar a janela, respirar e dar duas “sprayzadas” de Aerolin a cada duas horas.

Caetano, em tristeza profunda, compôs em Londres, no exílio: “one day I had to leave my country, calm beach and palm tree, that day I couldn’t even cry, and I forgot that outside there would be other men, but today, but today, but today, I don’t know why, I feel a little more blue than then” (um dia, tive que deixar meu país, praia calma e palmeira, naquele dia eu não conseguia nem chorar, e esqueci que, do lado de fora, havia outros homens, mas hoje, eu não sei por que, me sinto um pouco mais triste que antes). Foi depois convocado para também fazer uma música ufanista sobre a Transamazônica, obra do regime. Seria perdoado. Ele se recusou. Fez Transa, seu melhor disco. 

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