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Míriam Leitão: Governo Bolsonaro deve parar de fingir que não quer recriar CPMF

Da coluna de Míriam Leitão no Globo:

A CPMF tem má fama. Por isso o governo tenta outros nomes. O ministro Paulo Guedes ora fala em “imposto digital” ora diz que será sobre “transações eletrônicas”. Na verdade, o governo está tentando desde o começo trazer de volta o tributo que provocou muitas distorções. Ele incidiria sobre todos os pagamentos da economia, pesaria sobre todas as compras e transações financeiras, e dos dois lados, o que na prática vai duplicar a alíquota. O governo adoça o nome e oferece os prêmios, como a dizer: tudo isso será seu se aceitares o meu novo imposto.

A primeira coisa a fazer é apresentar a proposta e chamar tudo pelo nome certo. A palavra “digital” soa moderna e parece embutir uma porta de saída: se eu for analógico, poderei fugir do imposto? Se fosse isso, seria um incentivo ao retrocesso e uma punição a qualquer transação eletrônica. Ou seja, o governo estaria estimulando a que todos fossem fisicamente aos bancos, mesmo podendo fazer pagamentos online, e se dirigissem pessoalmente às lojas, mesmo preferindo compras online. Não é disso que se trata, mas se fosse já seria absurdo.

O ministro Paulo Guedes sempre quis introduzir na economia a proposta do ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, desse imposto sobre pagamentos nos moldes da CPMF. Quando Cintra foi claro sobre a natureza do seu projeto tributário, ele foi demitido por decisão do presidente Jair Bolsonaro. Na época, Guedes lamentou: “Morreu em combate nosso valente Marcos Cintra.” Depois, Cintra disse numa entrevista que o governo continuava querendo exatamente aquele imposto. Verdade. A ideia ainda é a primeira.(…)

Que as contas sejam mostradas, que os nomes próprios apareçam. Esse jogo de balão de ensaio cansou. Todo governo gosta de CPMF. Em janeiro de 2016, meses antes de deixar o cargo, a então presidente Dilma Rousseff disse que “diante da excepcionalidade do momento” a CPMF era “a melhor opção disponível”. Agora, Guilherme Afif, assessor de Guedes, diz: “A resposta a quem critica é: me dê uma alternativa melhor do que essa. Ainda não vi.” Afif ficou conhecido reclamando dos impostos excessivos e agora manda o contribuinte arranjar uma ideia melhor. Ora, deve dizer claramente qual é a conta que pretende enviar para o pagador de impostos.