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“Na seleção tinha gente que não queria usar o mesmo banheiro que eu”, diz Daiane dos Santos sobre racismo

Daiane dos Santos. Foto: Reprodução/YouTube

Paola Deodoro entrevistou a ginasta Daiane dos Santos na Revista Marie Claire.

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Confira trechos:

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Marie Claire: Às vésperas das Olimpíadas voltou ao debate o episódio de racismo sofrido por  Ângelo Assumpção. Sobre a história dele ter sido esquecida, de ele não ter apoio, patrocínio para treinar para os Jogos. Você concorda? Ele foi mesmo prejudicado?
Daiane:
 Então… Não tenho falado muito sobre essa questão do Ângelo e do Nory. Eu conheço os dois desde que eles tinham oito anos e tem muita coisa atrás dessa história que as pessoas não sabem. Então, se eu não vou ajudar, não vou atrapalhar. Eu já conversei muito com os dois. Muita gente não sabe, mas eles eram melhores amigos e antes do ocorrido, já tinha acontecido muita coisa. O  ngelo não treina já há um tempo. E também tem todo o sigilo do processo, então resolvi não me meter, porque é uma história em que não tem ninguém certo. Muitas pessoas negras vieram me cobrar, para eu me posicionar. Mas tem muitas questões ali. A gente ainda vai entender onde houve o erro de cada um na situação. Tudo o que a gente faz, como pessoa negra, nunca é só para a gente. E se eu for me posicionar, eu quero ter certeza de que isso vai ajudar a minha causa. Eu conversei com os dois, vi as cenas, a situação foi realmente asquerosa. Não tem nenhuma justificativa que leve a criar uma situação daquelas. Mas outras coisas existem atrás dessa história, e isso as pessoas não sabem.

Marie Claire: Em sua experiência pessoal, você chegou a sofrer algum episódio de racismo dentro da equipe, na carreira como ginasta?
Daiane: 
Acho que não existe uma pessoa preta que não tenha sofrido racismo na vida. O que acontece é que muitas pessoas não entendem o que estão passando, não sabem diagnosticar. No meu caso, sempre foi tudo muito sutil: um olhar diferente, um tratamento diferente. Uma levantada de voz. Várias situações que a gente consegue entender que é sempre a mesma cor que sofre. As vezes é pessoal mesmo, com a Daiane, a pessoa pode não gostar de mim. Mas a gente sabe quando é preconceito racial. E é aí que entra a estrutura familiar, de ter alguém ali te dizendo para ficar, para aguentar, porque vai passar e vai dar certo. Comigo, houve situações na seleção, nos clubes, de pessoas que não queriam ficar perto, que não queriam usar o mesmo banheiro! Aquele tipo de coisa que nos faz pensar: opa, voltamos à segregação. Banheiros para brancos e banheiros para pessoas de cor. Teve muito isso dentro da seleção. E além da questão da raça, tem a questão de vir do sul, de não ser do centro do país, de ter origem humilde. Ou seja: ela é tudo o que a gente não queria aqui! E aí é óbvio que precisa de uma rede de apoio para te manter estruturada, para aguentar firme. Eu fingia que não ouvia, porque eu sabia que eu não precisava daquelas pessoas para chegar onde eu queria chegar. Quem eu precisava já estava do meu lado. Eu sei que isso parece muito seco, muito duro, e até muito fácil. Mas eu sempre tive isso dentro de mim, é da minha personalidade, vou muito pelo o que eu quero, sou muito teimosa. Teimosa e com a confiança de ter tido uma educação muito consciente em casa.

Marie Claire: E o seu projeto social Brasileirinhos? Continua firme?
Daiane: 
O projeto continua sim. Ainda estamos no modo online, não voltamos presencial. Mas em agosto vamos abrir um segundo núcleo. O primeiro é em Paraisópolis, e a gente está abrindo um segundo núcleo no Aricanduva – os dois são nos CEUs (Centro Educacional Unificado). E a ideia é ampliar e levar também para Porto Alegre. Estou nessa batalha há um tempão. Mas estamos firmes e fortes, o Brasileirinhos tem tido bastante apoio e alguns patrocínios, empresas que querem participar do projeto. Estamos conseguindo um bom trabalho com as crianças. A gente tem muito carinho pela comunidade de Paraisópolis, e a gente recebe muito carinho de volta. No Aricanduva, ainda nem começamos e a comunidade já está muito feliz, participativa. É um retorno muito positivo. Mas além de ampliar as unidades, queremos também ampliar para outras modalidades além da ginástica”.