Nelson de Sá: Globo não sabe lidar com choques da era digital

O jornalista Nelson de Sá, na Folha, comentou a crise da Globo. Importante reflexão, agora que dois dos principais jornalistas da emissora, Renata Vasconcelos e Rodrigo Bocardi, também aparecem envolvidos na produção de conteúdos internos para o Bradesco.
No ano passado, a maior TV do país registrou uma redução de 38% na geração de caixa operacional, de R$ 2,3 bilhões para R$ 1,4 bilhão. Isso antes de Jair Bolsonaro.
A concorrência por profissionais já vinha crescendo. Rostos conhecidos que deixaram o canal, apresentadores como Evaristo Costa e William Waack, fecharam com concorrentes, que levaram também Mari Palma e Phelipe Siani.
A rede não só deixou escapar estrelas como passou a revisar contratos. Ao mesmo tempo, com a separação formal dos departamentos de jornalismo e esporte, foram flexibilizadas as regras para o segundo grupo.
Há menos de um mês, o narrador e apresentador Galvão Bueno foi responsável por um novo marco na Globo, ao gravar um anúncio para os voos da Gol, patrocinadora da Copa América: “Bem amigos da Gol, só aqui você não perde nenhum jogo, porque tem TV ao vivo para todos os destinos”.
Desde a primeira revelação do jornalista Daniel Castro no site Notícias da TV, de que o apresentador Dony De Nuccio havia gravado vídeos internos para o Bradesco, esses limites se tornaram nebulosos.
Num dos vídeos, De Nuccio dizia: “Pois é, mais uma vez a Bradesco Vida e Previdência sai na frente e lança um novo plano de previdência privada que traz muito mais facilidade”.
A reação da Globo, então, não passou de um “alerta” ao jornalista. Com as revelações posteriores, de que De Nuccio negociou valores e gravou entrevistas com executivos do banco, a emissora ainda se limitou a uma “advertência”.
Foi só depois do pedido de demissão que a Globo anunciou em comunicado que pretende “reiterar” suas regras sobre o que é vedado, mas agora “em detalhes, levando em conta a era digital”.
Procurada, a emissora respondeu, por sua assessoria, que nela “os limites são bem rígidos: O que é jornalismo é jornalismo, o que é publicidade é publicidade. Não há nenhuma zona cinzenta”.
Que “jornalistas esportivos são evidentemente jornalistas, com um foco em uma atividade cuja característica mais acentuada é a de ser um espetáculo”. E que “o caso é absolutamente circunscrito a Nuccio”.
Por fim, a Globo disse que “na era digital os desafios são maiores e, por esse motivo, o tema está sempre sendo visitado”.