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No Brasil, queda na desigualdade não tira renda do 1% mais rico

A queda da desigualdade de renda no Brasil no século XXI não alterou a parcela detida pelo 1% mais rico, segundo dados dos censos de 2000 e 2010 que consideram a população economicamente ativa. Em 2000, o 1% mais rico do país detinha 17,2% da renda nacional, percentual que foi mantido dez anos depois.

Se neste sentido o Brasil não é tão diferente dos países desenvolvidos, em que a concentração de renda tem aumentado no topo mais rico da população, houve melhora da distribuição da renda detida pelos 10% mais ricos, que na mesma comparação passou de 51,1% da renda nacional para 48,2% – “perda” de quase três pontos percentuais, ainda que permaneça em nível bastante elevado.

A parcela “perdida” pelos 10% mais ricos foi distribuída quase na mesma proporção para os grupos de menor renda, mais especificamente entre os 60% mais pobres, cuja participação passou de 18,1% em 2000 para 21,5% em 2010. Na média, a renda dessa parcela da população cresceu 155% na década, percentualmente mais que o aumento de 102% observado na renda dos 10% mais ricos, explicando parte da sútil melhora na distribuição ao longo da década.

Essa diferença no crescimento da renda e a consequente queda da desigualdade estão relacionadas com o aumento dos salários, os programas de transferência de renda, a queda da inflação e também com a redução na taxa de juros. Especialmente a partir da segunda metade da década passada, a variação dos salários passou a acompanhar mais de perto a rentabilidade das aplicações financeiras.

Nos últimos anos, a remuneração do trabalho (dada pelos salários) cresceu acima da rentabilidade das aplicações financeiras, algo que soa absurdo, quando se leva em conta o fato de o Brasil ser um dos líderes mundiais no ranking de economias que pagam as maiores taxas nominais e reais de juros do planeta.

Economistas avaliam que a dinâmica que respondeu por parte da queda da desigualdade – aumentos reais da renda do trabalho puxados pela remuneração do salário-mínimo – não é mais sustentável.

Além disso, o recrudescimento da inflação – que impôs a reversão da política de queda mais acentuada da taxa de juros – começa a jogar contra a redução da desigualdade porque penaliza mais fortemente a população de menor renda. Afinal, essa parcela não tem sobra de recursos para poupar, o juro encarece o consumo feito a crédito e a inflação reduz o poder de compra.

Naercio de Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, observa que parte da distribuição de renda dos últimos anos foi feita em cima do que se convencionou chamar de classe média. “A renda dos mais pobres aumentou, mas como a renda que cabe a essa parcela é pequena, então ela não mexeu na polarização extrema”, diz ele, contrapondo os mais pobres com o 1% mais rico da população. “Quem era nossa classe média é que está perdendo”, acrescenta.

Para o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, a queda na taxa real de juros ao longo dos últimos anos contribuiu para a queda de desigualdade, junto com as políticas públicas, como a de remuneração do salário mínimo e a de transferências, especialmente o Bolsa Família. “Mas o Brasil ainda é muito desigual”, lembra Barbosa.

Barbosa estima que os 10% mais ricos detenham cerca de 95% da riqueza do país, uma participação semelhante àquela que existia na Europa de cem anos atrás. Ele fez uma sugestão de projeto de lei para que a Receita Federal passe a divulgar, anualmente e sem nenhuma identificação, os dados que permitam mapear a atual concentração da riqueza – e não apenas da renda – no país.

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