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“O ponto de partida dos progressistas é a libertação de Lula”, diz professor da UFRJ

O site Tutaméia entrevistou o sociólogo e cientista político José Luís Fiori, professor de economia política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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TUTAMÉIA — Qual o impacto político da prisão de Lula?

JOSÉ LUÍS FIORI — Muito grande, acho mesmo que a história política do Brasil terá um antes e um depois dessa prisão.

TUTAMÉIA — Ele sairá “maior, mais forte e mais verdadeiro”, como ele disse no discurso do dia 7, em São Bernardo?

JOSÉ LUÍS FIORI –Tenho impressão que sim. E acho que a explicação disso se encontra no próprio discurso do ex-presidente, quando ele diz que já deixou de ser uma pessoa física e se transformou numa ideia, num movimento social e político, num verdadeiro mito. E todos sabemos que as ideias e os mitos não conseguem ser presos nem destruídos. Na verdade, Lula foi sempre um grande negociador e um reformista, e sua genialidade foi demonstrar que, em certos momentos da história, o reformismo é absolutamente revolucionário. Trata-se de um líder absolutamente fora do comum e acima de seus contemporâneos, graças à sua inventividade e à sua intuição estratégica, que é absolutamente extraordinária.

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TUTAMÉIA — No imediato, o que que o senhor espera que possa acontecer?

JOSÉ LUÍS FIORI — Uma grande mobilização no Brasil e pelo mundo afora contra a prisão e a favor da libertação do ex-presidente. Mas acho que, no imediato, as pessoas próximas e que gostam pessoalmente do ex-presidente deveriam estar muito atentas com relação à sua integridade física. Sobretudo se tiverem em conta o fanatismo, o rancor, a crueldade e o ressentimento dos que o encarceraram.

TUTAMÉIA — Qual será o futuro político das pessoas que o julgaram e encarceraram?

JOSÉ LUÍS FIORI — O mais provável é que venham a ter o mesmo destino de todos os “savonarolas” que já existiram através da história. Apesar de que, no caso brasileiro, essas pessoas não têm o menor fôlego pessoal e intelectual para se transformarem em lideranças carismáticas. São figuras menores, já cumpriram o papel que lhes foi encomendado e devem voltar para o anonimato de onde vieram.

TUTAMÉIA — E qual o impacto mais geral sobre a sociedade brasileira?

JOSÉ LUÍS FIORI — Essa grande encenação –e, sobretudo, esse final patrocinado pelo STF –consolidou uma divisão e uma polarização da sociedade brasileira que que deverá durar por muitos e muitos anos. Vai ser muito difícil de reverter isso. Também vai ser muito difícil sair desse buraco imediato, porque o Estado, as autoridades públicas e a sociedade brasileira aparecem divididos de cima abaixo. Os golpistas estão completamente divididos. O Congresso está quase rachado e desmoralizado. O STF está partido ao meio, perdeu a sua aura de neutralidade e sua credibilidade foi rebaixada por suas brigas internas e por suas sessões infindáveis, marcadas pelo exibicionismo dos seus juízes com seu palavreado gongórico e quase sempre inócuo. Para não falar finalmente da divisão interna da própria Igreja católica. Aliás, dos que se esconderam atrás do silêncio para não se posicionarem frente à prisão do ex-presidente, quem mais me impressionou foi a CNBB. A ausência cúmplice ou envergonhada de algumas de suas principais lideranças no Brasil foi lamentável. Fez lembrar sua participação no golpe de 1964, quando as senhoras conservadoras sacudiam seus terços no lugar de bater panelas.

TUTAMÉIA — Como deveriam agir daqui para frente as forças progressistas?

JOSÉ LUÍS FIORI — Os caminhos estratégicos vão sendo construídos no caminhar e devem sempre tomar em conta os objetivos e as iniciativas dos adversários. Mas, nesse momento, o ponto de partida necessário e inevitável das forças progressistas só pode ser a luta pela libertação de Lula. Não necessariamente para que ele seja candidato, mas porque hoje a sua libertação significa simbolicamente o primeiro passo para a restituição da democracia e da justiça nos seus devidos lugares.

TUTAMÉIA — A ideia de uma frente pela democracia, contra o fascismo e pela soberania pode avançar? 

JOSÉ LUÍS FIORI — Mais do que nunca. A direita e os ultraliberais já implementaram todas suas ideias e reformas através do golpe e dos seus executores. Depois da destituição da presidenta Dilma Rousseff e da prisão do ex-presidente Lula já não lhes resta mais nenhuma “causa” nem “ideia”. Seu filme acabou e foi muito ruim. A crise econômica seguirá e seus efeitos se farão cada vez mais dolorosos. A direita ultraliberal já não tem mais nada para dizer ou propor para o Brasil, que não seja a tal da “reforma da previdência que não conseguiram fazer e a privatização da Petrobras, duas propostas extremamente impopulares.

TUTAMÉIA — Até onde o PT deve esticar a corda e manter a candidatura Lula?

JOSÉ LUÍS FIORI — Como já disse, do meu ponto de vista, o ex-presidente Lula já não é mais apenas uma candidatura. Ele é uma causa e é a grande causa que unirá daqui para frente as forças progressistas do Brasil e da América do Sul. Não adianta pensar, no momento, em candidaturas “alternativas” que não vão ganhar ou simplesmente não vão governar nesse quadro que aí está.  Ou se muda esse quadro e se junta um conjunto de forças poderosas, ou não haverá governo progressista viável de nenhum tipo, seja quem for o indivíduo ou candidato. A menos que as forças progressistas queiram repetir a candidatura simbólica do dr. Ulysses Guimarães em 1974.

É bom que as pessoas entendam que essa crise aberta pelo golpe de Estado e essa divisão da sociedade brasileira –promovida ativamente pela imprensa conservadora– devem continuar ainda por muito tempo e exigirão uma enorme paciência estratégica. Não adianta achar que vai se virar a mesa na próxima meia hora.

TUTAMÉIA — Quem poderia ser o maior beneficiado da saída definitiva de Lula da corrida eleitoral?

JOSÉ LUÍS FIORI — Em primeiro lugar, ele já não sairá mais nem da corrida eleitoral nem da história política futura. Como já dissemos, a direita e os seus juízes conseguiram transformar o ex-presidente num mito e numa força política que acompanhará a sociedade e política brasileira por muitos e muitos anos.

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José Luís Fiori, professor de economia política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foto: Reprodução/Tutaméia