Pesquisa aponta que miséria, inflação e desemprego têm o maior impacto no país em 10 anos

Segundo um índice elaborado por pesquisadores do Instituto de Economia da UFRJ, o mal-estar provocado pelo empobrecimento é o mais alto no Brasil em dez anos. Em uma análise sobre a miséria no Brasil feita para o Jornal O Globo, o professor emérito João Saboia concluiu que essa condição nunca esteve tão presente na realidade do país.
Os números, que medem a intensidade da miséria e do retrocesso na qualidade de vida das famílias, mostram em 2021, com o agravamento da crise pela pandemia, a pior situação em toda a série do estudo, iniciado em 2012. O índice de miséria vai de zero a 1. Quanto mais alto, pior a situação. Nos cálculos dos pesquisadores, esse índice está hoje em 0,947, subindo quase 60% em relação a 2020, quando era de 0,591.
O índice, além de levar em consideração impacto da inflação e do desemprego sobre as famílias de renda mais baixa, agrega dados sobre subemprego, renda domiciliar per capita dos 20% mais pobres do país, a desigualdade entre esse grupo e os 20% mais ricos e a inadimplência, que limita o acesso ao crédito para o consumo. O estudo traz um termômetro mais preciso dos efeitos das dificuldades na vida dos brasileiros mais pobres às vésperas das eleições.
“Houve uma disparada no segundo ano da pandemia. A situação piora muito do ponto de vista de bem-estar. Renda e desigualdade estão no pior momento, e outros indicadores só perdem para 2020, no auge da doença”, disse Saboia, à publicação.
Já o sociólogo Marcelo Medeiros, especialista em pobreza e desigualdade e professor visitante na Universidade Columbia, em Nova York, explicou que a queda da renda dos dois terços mais pobres é muito visível e torna claro o aumento da desigualdade. Os mais ricos conseguem se proteger da inflação e têm reservas. Para ele, o remédio para a inflação é concentrador de renda.
“As pessoas estão mudando coisas importantes, fundamentais, como o padrão de comida. Houve perda de emprego de qualidade, com setor informal muito grande. Você vê desigualdade em tudo, inclusive no desemprego. Os ricos têm mais condições de se recuperar se perdem o emprego”, pontuou Medeiros.
De acordo com o estudo de Saboia, a renda dos 20% mais pobres caiu de R$ 244,50 em 2020 para R$ 187,50 per capita em 2021, perda de 23,3%, bem mais severa que a média geral de 7%. Comparada a 2014, o melhor momento da renda dessas famílias, a redução no poder de compra foi de 27,3%. A distância social cresceu e os ganhos dos 20% mais ricos representam 21,1 vezes os dos 20% mais pobres. Em 2020, eram 16,9 vezes. “A maioria das pessoas está vivendo sob uma pressão imensa”, observou o professor da UFRJ.
Se tratando de inadimplência, a situação só não está pior que em 2020, auge da pandemia e do isolamento social. Pela pesquisa, 27,2% dos devedores têm pagamentos atrasados. Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), que mede o endividamento das famílias, citou três estatísticas que estão no seu pico: o número absoluto de devedores, 66 milhões, o maior da série histórica da Serasa, que começou em 2016. O valor médio das dívidas, que chegou a R$ 4.107, também recorde. E o número de dívidas por família no Brasil, 3,42, média que só não é pior do que em 2020, quando eram quatro.
“Mas o tíquete médio de cada dívida aumentou e é o maior: R$ 1.212”, destacou Bentes, que observou um crescimento da demanda por crédito, mesmo com juros subindo. “Certamente são as famílias tentando fechar o orçamento. Esses recursos não estão indo para o consumo, porque o comércio está crescendo de forma preguiçosa”, completou ele.
Já Daniel Duque, pesquisador da FGV, avaliou que a crise atual que afeta os mais pobres ainda deve piorar em 2023. A proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral — aprovada no Senado e que deve ser votada na Câmara na semana que vem para aumentar benefícios sociais a três meses da eleição a um custo de R$ 41,2 bilhões — pode dar algum alívio temporário.
Porém, na opinião do especialista, a miséria e a desigualdade vão se aprofundar a partir de janeiro, quando a medida perderá o efeito. “A medida fará a inflação demorar a desacelerar, os juros subirem e o dólar se valorizar com a piora na situação fiscal. Isso vai ter um custo adicional nos próximos meses, com alimentos e combustíveis mais caros. A piora está contratada”, avisou.
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