Racismo está por trás da decisão de Meghan de deixar a realeza

Do Estadão:
A imprensa britânica conseguiu seu aparente objetivo de perseguir Meghan Markle, a duquesa de Sussex, para fora do Reino Unido. O que ela não contava, no entanto, era a perda, junto com ela, do príncipe Harry – um integrante muito amado da realeza e uma parte essencial da marca global da família.
Em um comunicado divulgado nesta semana, os dois disseram que querem “desempenhar um novo papel progressivo” dentro da família real e pretendem abdicar à posição de “membros ‘seniores’, trabalhando para se tornar financeiramente independentes”.
A imprensa britânica reagiu com surpresa à “chocante mudança para o exterior” descrito de várias maneiras como “sísmica”, “egoísta”, “desonesta” e “uma abominável falha de julgamento”.
Se a mídia prestasse mais atenção à comunidade negra do Reino Unido, talvez achasse o anúncio muito menos surpreendente. Com um novo primeiro-ministro cujo histórico inclui declarações abertamente racistas, algumas das quais fariam até Donald Trump corar, um projeto como o Brexit, ligado ao nacionalismo nativo e a um desejo de livrar o Reino Unido de um grande número de imigrantes, e um denso aumento da nostalgia imperial, muitos de nós (negros britânicos) também estaríamos pensando em mudar.
Desde a primeira manchete sobre ela ser “(quase) diretamente saída de Compton” (cidade da Califórnia com elevado índice de criminalidade) e ter um DNA “exótico”, o tratamento racista a Meghan tem sido impossível de ignorar. A baronesa Marie Christine von Reibnitz, casada com o píncipe Michael de Kent, usou um broche racista na companhia da duquesa.
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Aqueles que afirmam que os ataques frequentes contra a duquesa não têm nada a ver com sua cor, encontram dificuldades na hora de explicar tais tentativas de vinculá-la a formas de crime com um viés particularmente racial – terrorismo e atividades de gangues -, além do fato de ela ter sido atacada da maneira mais venenosa por atos que atraíram elogios quando outros membros da realeza os fizeram.
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Na rígida sociedade de classes da Grã-Bretanha, ainda há uma profunda correlação entre privilégio e cor. As relativamente poucas pessoas negras – e menos ainda, se você contar apenas as que têm herança africana – que alcançam um sucesso e prosperidade proeminentes na Grã-Bretanha costumam frequentemente ouvir que devem ser “gratas” ou sair do país se não gostar daqui.
O legado da história do império britânico – uma construção global baseada em uma doutrina da supremacia branca – seu papel pioneiro no comércio de escravos e nas ideologias do racismo que o permitiram, além de políticas de recrutamento de pessoas do Caribe e da África para trabalhos mal pagos e discriminação contra eles na educação e na moradia, está conosco hoje em dia: o escândalo que envolveu a deportação injusta do povo negro britânico nos últimos anos ainda reverbera.
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