Safatle: ‘Nossa bandeira será vermelha’

Leia alguns trechos da coluna de Vladmir Safatle na Folha desta sexta-feira (11):
Um fantasma assombra o Brasil, o fantasma da bandeira vermelha. O lema “a nossa bandeira jamais será vermelha” não esperou o sr. Jair Messias para despertar do pântano gélido dos medos da República.
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Mas é fato que o medo da bandeira vermelha tem origens que não escondem suas verdadeiras razões. Ela remonta à Revolução Francesa ou, para ser mais exato, a uma lei de 21 de outubro de 1789 autorizando as municipalidades a hastear a bandeira vermelha para indicar que as massas deveriam se dispersar diante do que seria uma ameaça à “ordem social”.
Ou seja, se a bandeira vermelha aparecesse, isso significava que as forças do governo tinham autorização para atirar contra a população, já que a denominada “ordem” estava em risco.
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Em 1848, a massa insurgente em Paris levanta a bandeira vermelha a fim de indicar que seu país ainda estava por ser construído e que se fundaria na solidariedade sem fronteiras entre aqueles que até então não tiveram nada.
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Hoje, em 2019, o medo da bandeira vermelha ainda está na pauta do dia —e isso diz muito a respeito de como o poder não aprendeu nada nesses últimos 200 anos. Não é contra o uso da bandeira vermelha feito por Estados burocráticos totalitários que ele se volta. É contra o seu significado originário e seu sinal de insubmissão.
Tanto é assim que o poder continua a fazer os mesmos discursos, a levantar os mesmos espantalhos, tal como se estivéssemos de volta ao século 19.
Essa repetição não é um acaso. Ela simplesmente indica que, apesar das diferenças evidentes de contexto e de condições, há um elemento que não cessa de não se inscrever, que não cessa de repetir, indicando a natureza falsa da vida social que impomos às classes mais vulneráveis e desfavorecidas.
Por isso, sr. Jair Messias, nossa bandeira ainda será vermelha.