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“Stalin não foi reencarnação de Lúcifer e não sou guru de ninguém”, diz Jones Manoel

Jones Manoel. Foto: Reprodução/YouTube

De Fábio Zanini na Folha de S.Paulo.

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Você é stalinista? Tem uma tirada do filósofo Slavoj Zizek que acho muito boa. Ele diz que para perguntas erradas não existem respostas certas. A pergunta está mal colocada. Parte-se do pressuposto, amparado no senso comum, de que ser stalinista significa qualquer pessoa que não tem uma visão de Stálin como a reencarnação de Lúcifer na Terra, ou que não coaduna com a leitura da teoria do totalitarismo, que ficou famosa na pena da Hannah Arendt, que equipara nazismo a stalinismo, Stálin a Hitler.

Na verdade, coloca até o stalinismo num patamar ético, moral e de violência maior. Eu não sou stalinista. Stalinismo é uma leitura do marxismo que tem três pilares: desconsiderar qualquer crítica, colocando erros ou até tragédias na conta de mentiras burguesas, ou da CIA; considerar que o modelo da URSS é o único possível e que qualquer coisa fora disso seria revisionismo; e fazer uma leitura do Stálin como uma continuidade direta e uma elevação da obra de Marx, Engels e Lenin. Não me encaixo em nada disso.

Na sua opinião, quem foi Stálin? Stálin teve o papel do que na ciência política se chama de pai da nação. Não se pode reduzir a experiência soviética a um mero reino de terror e a um grande gulag. O terror existiu, o gulag existiu, a repressão a artistas, intelectuais, cientistas existiu. Também existiram episódios de fome, não a fome planejada com intuitos genocidas, mas problemas de abastecimento.

Mas o governo de Stálin combateu de maneira firme o racismo e o colonialismo. A URSS também teve papel fundamental na construção de direitos econômicos, sociais, no que depois vai ser generalizado no rótulo de Estado de bem-estar. Nos anos 30, no auge de todo o processo de repressão, estava sendo eliminado o analfabetismo, construída a maior rede vista até então de creches, escolas públicas, restaurantes públicos, universidades, hospitais, empresas, casas populares e por aí vai.

A análise que Losurdo faz, bem longe de qualquer apologia, coloca os dados repressivos, mas destaca que é impossível desconsiderar os elementos emancipatórios. Se hoje eu tenho direito de voto e direitos civis, deve-se fundamentalmente ao papel do movimento comunista.

Enxergar um lado bom no Stálin não é como elogiar Hitler por ter acabado com a hiperinflação na Alemanha, ou o general Médici pelo milagre econômico? Acabar com a hiperinflação não significa melhorar a vida do povo. Isso é discurso de economista tecnocrático. Enxergar um legado emancipatório na experiência soviética fica no mesmo plano de quem defende Barack Obama, que foi o responsável pelo maior uso de drones da história recente dos EUA, que destruiu a Líbia, o país que tinha o maior IDH da África.

Obama foi responsável por mais de 3.000 bombardeios de alvos civis. Ele é um assassino genocida, como todo presidente dos EUA, e mesmo assim é respeitado, considerado um grande estadista. Quando eu digo que o Stálin teve um papel positivo na Segunda Guerra, não significa dizer que o gulag é lindo.

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