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The Intercept: Por que a insegurança no Rio é um bom negócio delegados e policiais militares

Príncipe Martins, ex-comandante do Bope, tem uma empresa de segurança

Do The Intercept

EXISTE UM UNIVERSO paralelo na segurança do Rio de Janeiro. Além de policiais fardados, fuzileiros vestidos para a guerra e delegados engravatados que buscam solucionar assassinatos e outros crimes, empresas de segurança – legais e clandestinas – atuam para supostamente coibir a ação de bandidos. Num levantamento inédito, The Intercept Brasil descobriu que elas são controladas, em alta proporção, pelos esses mesmos atores que deveriam contribuir, em suas funções públicas, para um ambiente mais seguro. Na prática, quanto pior a segurança pública, melhor andam seus negócios privados.

O levantamento mostrou que uma em cada quatro empresas de segurança e vigilância sediadas no Rio e nos principais municípios vizinhos pertence a agentes de segurança, quase metade deles da ativa — em São Paulo, não é diferente. Há de comandantes de batalhões estratégicos da Polícia Militar e delegados famosos a milicianos, policiais corruptos, torturadores e políticos de renome, como iremos detalhar nesta reportagem.

São pelo menos 162 empresas de segurança, de um total de 638, registradas em nome de 188 policiais militares, policiais civis, federais, agentes penitenciários, bombeiros e inclusive integrantes das Forças Armadas. Só na capital estão 128 delas. Algumas, num aparente esforço de ocultação, estão no nome de familiares próximos, como a mãe ou esposa. É razoável imaginar que haja outras empresas ligadas a agentes da lei, registradas em nome de laranjas, e que não foram identificadas pela reportagem. A lei permite que eles participem de empresas desse modelo, desde que como acionistas, não administradores.

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Na ocasião, a CPI divulgou a lista das empresas de segurança que mais registraram roubos de armas. Com a verificação dos sócios de cada empresa pelo The Intercept Brasil, surge uma coincidência: as três primeiras empresas da lista estão ligadas a policiais ou a políticos.

A Solidez Segurança e Vigilância, líder do ranking de armas e munições roubadas divulgado na ocasião, é de Fernando Príncipe Martins, ex-comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais, o Bope. Em segundo lugar ficou a Diamante Segurança e Vigilância Especial, que tem como sócio Rodrigo Teixeira de Oliveira, rosto frequente no noticiário sobre a violência do Rio: desde a década de 2000, com breves intervalos, o delegado Rodrigo comanda a Core, a Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil, uma espécie de Bope da corporação. Ele também foi um dos responsáveis pela desastrada operação que prendeu 159 supostos milicianos em abril. Rodrigo tem como sócio um ex-colega da Polícia Civil, inspetor aposentado que figura como administrador da empresa.

Ligações com Eduardo Cunha

Um nome já destacado no folclore dos crimes de colarinho branco nacional também aparece, ainda que indiretamente: Eduardo Cunha.

Na avenida Paulo de Frontin, está uma empresa de segurança de um empresário apontado como beneficiário privilegiado de contratos no governo do Rio com ajuda de Cunha, quando ele ainda presidia a extinta Telerj, companhia telefônica estadual. Foi uma das primeiras suspeitas de corrupção na carreira política do ex-deputado, hoje preso em Curitiba.

Uma outra empresa que aparece conectada a Cunha é a Dinâmica Segurança Patrimonial. Ela é citada, junto com seu sócio, Edson da Silva Torres, no inquérito da Operação Cui Bono, uma das fases da Lava Jato. Uma troca de mensagens entre Eduardo Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira Lima indicou uma ação do deputado em favor da Dinâmica, além de apontar que Torres teria como sócio oculto o Pastor Everaldo, presidente nacional do PSC, candidato à Presidência da República em 2014, aliado de Eduardo Cunha e um dos líderes da Assembleia de Deus no Rio de Janeiro.

De fato, como verificou The Intercept Brasil, um outro sócio de Edson Torres na empresa, Adão de Jesus Rabelo de Almeida, é pastor da Assembleia de Deus. Não para aí. Um dos filhos do pastor Everaldo, Laércio Pereira, advogado do PSC, trabalhou durante 10 anos na Dinâmica Consultoria em Construção Civil e Incorporações, que também tem Edson e Adão como sócios.

A Dinâmica não consta entre as empresas com autorização da Polícia Federal. No endereço da Dinâmica há agora uma placa com o nome GAS Vangarde Segurança e Vigilância. Há movimento de pessoas entrando e saindo pelo portão eletrônico, muitas delas de terno. Um ex-segurança da empresa relatou ao The Intercept Brasil que andava armado e que deixou a empresa, segundo ele “falida”, porque parou de receber. Embora tenha sede própria, com identificação adequada, ela também não tem autorização da Polícia Federal para garantir a segurança dos cariocas.

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