Apoie o DCM

Ugo Giorgetti: ‘Maradona não era Deus, mas deveria ser. Só para jogar quando quisesse’

Maradona fez história no futebol italiano pelo Napoli Foto: Massimo Sambucetti/AP

Da coluna de Ugo Giorgetti no Estadão:

Nos últimos anos nos acostumamos a associar Maradona a clínicas de recuperação, hospitais, recaídas em tratamentos feitos e refeitos. Enfim, notícias inquietantes sobre a saúde do craque eram coisa corriqueira. Agora ele se foi, finalmente encontrou-se consigo mesmo. Isso porque a vida de Maradona desde que parou com o futebol não era vida, era outra coisa. Talvez fosse uma busca desesperada para dar sentido a algo que para ele já não tinha nenhum.

Vai ser aparentemente fácil encontrar causas para a morte de Maradona procurando na sua atitude de descuido quanto à própria saúde, no seu desprezo pela prudência, pela temperança, pela vida saudável. Jogador extraordinário, mas que, como Garrincha, não era um atleta, mas apenas um fenômeno artístico, o futebol era sua vida. Não uma coisa importante na sua vida, não uma coisa fundamental, mas a própria vida em sua totalidade.

Sem contato com a bola e com o campo não havia nada. Não sabia mais o que estava fazendo aqui, quando lhe faltou o jogo, os dribles e os lances de inimitável malabarismo. Como Garrincha, era um craque para craques. Sabia que não fazia apenas gols, sabia que fazia arte. Gols especiais que culminavam jogadas que poucos tinham visto antes. Como Garrincha, era um individualista que muitas vezes resolvia sozinho com toda sua técnica e fazia dos companheiros espectadores privilegiados de seu talento. (…)

Vi Maradona em vários desses jogos amigáveis, que encarava como se fosse a final de Copa. Só que sorridente e feliz. Até o corpo gordo e velho, parecia recobrar força nesses jogos entre amigos, companheiros, irmãos. Ao ver todos gordos, meio disformes e trôpegos como ele, recobrava o humor e se divertia profundamente. Não, Maradona não era Deus como pensavam os adeptos de sua religião. Mas deveria ser. Só para poder jogar quando quisesse.

(…)