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Um novo rompimento de barragem era questão de tempo, diz pesquisador da UFJF

A jornalista Ana Carolina Amaral entrevistou Bruno Milanez, doutor em política ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Folha de S.Paulo.

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A Vale havia conseguido em dezembro uma licença “express” para ampliar atividades na região da barragem que se rompeu em Brumadinho. Isso significa que a flexibilização do licenciamento ambiental aventada pelo governo federal já acontece na prática?

As mineradoras testam brechas para flexibilizar o licenciamento. O Executivo dá uma certa autonomia para “inovar”, vamos dizer assim, e quando essas práticas passam a ser repetidas, são tomadas medidas legais para institucionalizar. Aí, o que era exceção vira regra. Elas vão fazendo balões de ensaio. Alguns pegam, outros não.

Desta forma as empresas não estão elevando o risco de seus projetos?

As mineradoras não associam licenciamento com risco. Existe uma visão de mundo dentro do setor de que barragens não rompem. Eles acreditam que elas são seguras, de verdade. Se não acreditassem nisso, não colocariam o refeitório embaixo de uma [como era em Brumadinho]. Algumas pessoas passaram 20 anos almoçando e jantando lá dentro achando que ela nunca iria cair.

A tragédia de Mariana anunciou a de Brumadinho?

Já estava avisado que Brumadinho iria acontecer lá em 2015. A universidade sugeriu, em documentos técnicos, uma série de operações de monitoramento da barragem; o Ministério Público também. O projeto de lei “Mar de Lama Nunca Mais” tinha feito recomendações; pedimos o fim do automonitoramento.
Em 2015, a gente não discutia se teria outros rompimentos, mas quando aconteceriam. Temos uma série histórica em Minas Gerais: de 2002 para cá tivemos um rompimento a cada dois anos. Se não mudar, a média se mantém.

Quais os desafios na avaliação dos impactos ambientais e do potencial de dano das barragens? 

Na prática a obra está licenciada antes da avaliação. Preocupado com crescimento econômico, o governante está de antemão disposto a aprová-la. Hoje o estudo de impacto ambiental é feito por empresa contratada pela empreiteira. Existe um interesse, para garantir o contrato, de reforçar aspectos positivos da obra e ignorar negativos. Isso já pode ser um autolicenciamento, caso haja projeto de lei que equipare o estudo de impacto ambiental à concessão de licença. É preciso mudar como as empresas são escolhidas.

O que mais precisaria mudar? 

Estabelecer distâncias mínimas, como 10 km, entre barragens e comunidades. E impor limite ou proibir barragens construídas com a técnica à montante, o tipo mais comum, mais barato e o menos seguro, usado em Mariana e em Brumadinho.

Além da técnica, quais outras semelhanças nos desastres de Mariana e Brumadinho? 

As duas foram licenciadas como barragens menores, mas foram alteradas, ficando com mais degraus. A de Brumadinho foi construída com 18 metros de altura e, quando caiu, tinha mais de 85 metros. Com isso, vão dosando homeopaticamente o licenciamento.

Nenhuma das duas tinha um plano de emergência que funcionasse. Fundão tinha um capenga. Em Brumadinho, nem sirene tocou. Alegar que foi rápido não é motivo. Poderia ter salvado moradores mais distantes.

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Bruno Milanez, doutor em política ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora. Foto: Reprodução/YouTube