USP: a violência nas festas é o silêncio de uma máfia, diz sociólogo
Do unisinos:
A denúncia coletiva de estudantes vítimas de estupro e violência sofridos em festas na Faculdade de Medicina da USP foi muito importante, considerada a dificuldade de se tornarem públicas ocorrências desse tipo.
A análise é do sociólogo Antônio Almeida, autor de três livros sobre trote.
Para ele, o caso não é um incidente isolado, um excesso ou uma fatalidade. “Fatos desse tipo ocorrem sistematicamente dentro do ambiente universitário”, afirma Almeida.
“Em alguns casos a gente poderia até falar que são quadrilhas mesmo, organizadas, e que deveriam ser tratadas dessa forma pela lei. Tem situações que quem de fato comanda o grupo trotista são professores, dirigentes, diretores, reitores, às vezes pessoas do mercado de trabalho, ex-alunos.”
Ele diz que o grupo trotista tem uma disciplina rígida. No primeiro ano, o aluno que recebe o trote tem de se calar. Se não ficar em silêncio é expulso do grupo.
“Esse silêncio é o mesmo das organizações mafiosas, que depois vai acobertar todas as práticas ilegais, indecentes, criminosas até desses grupos. Esse aluno que está lá no pedágio é um soldado raso de uma hierarquia que tem general. Às vezes, esse general é um docente da universidade, um diretor, o ministro da Agricultura ou o ministro da Saúde.”
Segundo o sociólogo, não são todos, mas muitos que provocam a violência nos trotes e festas são de classes mais abastadas, e praticam atos violentos como forma de exercício de poder.
Há muito dinheiro envolvido nos trotes e festas. A universidade, de alguma forma, acaba patrocinando esses grupos, informa Almeida. Eles recebem apoio institucional na forma de verba.
“Eu acho muito grave. É uma das coisas mais graves na educação brasileira. As pessoas querem afirmar que o trote é uma brincadeira, uma forma de recepção, que o trote integra as pessoas na universidade. Isso é uma mentira. O trote divide os alunos do campus, causa muitas perdas, alunos que deixam a universidade ou que ficam com ferimentos pro resto da vida, ou pior ainda, que ficam dentro dessa mentalidade superpreconceituosa do trote.”
A cultura de violência dos grupos trotistas é baseada na impunidade. É a cultura do abuso. “São práticas cotidianas consideradas normais”, avalia o professor. “Houve um caso em que uma menina foi estuprada por oito rapazes. Depois de ter sido estuprada ela recebeu o apelido de ‘pizza’, porque ‘dá pra oito’.”