Apoie o DCM

‘Ustra era um monstro que me torturava com choque e ria’, diz vereador que foi vítima na ditadura

Carlos Alberto Brilhante Ustra. Foto: Reprodução/YouTube

O vereador Gilberto Natalini enviou um depoimento sobre a tortura que sofreu nas mãos do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Foi publicado na Folha de S.Paulo.

O depoimento é forte, e deve ser lido.

(…)

Eu fui torturado pelo coronel Ustra.

Aos 19 anos, em 1972, quando eu era estudante de medicina, fui preso pela ditadura militar e levado para o DOI-Codi [órgão de repressão do regime]. Fiquei lá cerca de 45, 60 dias; não lembro bem agora.

O Ustra comandava as sessões de terror. Eu fui torturado pela mão dele e da equipe dele, várias vezes. Colocavam duas latas de Neston [de alumínio], me faziam subir nelas, molhavam meu corpo com água e sal, ligavam fios em toda parte e disparavam os choques.

Era a noite toda: choque elétrico e paulada nas costas, com uma vara de cipó, que o Ustra usava para me chicotear.

Estou descrevendo uma das formas que eles adotavam, mas não me peça para narrar todas, porque é muito doído para mim. A tortura pesada durou mais ou menos um mês.

Choque nos ouvidos era todo dia. Sou deficiente nos meus ouvidos, de choque elétrico que o Ustra me deu. Fiquei com sequelas permanentes. Perdi 60% da capacidade de ouvir na orelha direita e 40% na esquerda.

Você não faz ideia do que é o choque no ouvido. Quando eles ligam a corrente elétrica, você grita. E, quando você grita, surge uma faísca que pula de um lado da boca para o outro. Isso queima toda a sua mucosa bucal. Descasca. Fica em carne viva.

É impossível você não gritar, porque não consegue suportar. Todo mundo grita na dor.

Ali era uma casa de horrores. Uma vez eu vi pendurarem um homem de cabeça para baixo, pelo pé, e deixarem quase 48 horas assim. Quando foi retirado, ele tinha tido uma apoplexia cerebral, e ficou lesado da cabeça.

Eu vi um outro preso entrar vivo, gritar a noite inteira de tanto apanhar e no dia seguinte sair arrastado pelo pé, morto, todo ensanguentado. A gente viu coisa que nunca esquece.

O Ustra era o nosso terror, porque coordenava tudo. Quem vai esquecer uma cara daquela? Aquilo é a própria cara da bestialidade, da monstruosidade. 

Ele torturava jovens e velhos, mulheres e homens, crianças. Até matar. Ele e os paus-mandados dele. A equipe era toda de monstros. E ele ria, debochava, tirava sarro, numa boa.

(…)