Está na hora de Babus Santana vencerem, dentro e fora do BBB. Por Nathalí

Atualizado em 8 de abril de 2020 às 13:43

“Quando foi que falar em BBB virou militância?” 

Eu não gosto de BBB, mas gosto ainda menos dos pseudointelectuais que agem como se falar de BBB fosse proibido, um atestado de burrice e futilidade, contra os princípios da comunidade intelectualóide da internet, me dá uma preguiça sem fim. 

Primeiro porque não existem assuntos proibidos: de tabu o mundo tá cheio, e não pode ser a comunidade progressista a primeira a contribuir com isso. Segundo porque falar de BBB é falar das milhões de pessoas que ainda falam de BBB, ainda votam no BBB, ainda afirmam suas convicções e preferências acompanhando um reality show de péssima qualidade transmitido por uma emissora que não merece a audiência que tem. 

Então, hoje, eu vou falar do BBB, e das questões adstringentes, para dizer o mínimo, que esse programa tem refletido. Ao longo das vinte edições, teve de tudo: estuprador estuprando ao vivo, estuprador confessando ao vivo que havia estuprado, estuprador saindo do programa pra prestar depoimento, loira racista levando o prêmio pra casa, preto perseguido, viado humilhado, machismo estampado, toda sorte de desgraças que a gente vê todo dia nas nossas esquinas estampadas na tela da plimplim. 

É por isso que, quando falamos de BBB, não é sobre a Globo que falamos, é sobre nós. 

Nessa edição, Babu Santana é o assunto principal.  Além de negro, é gordo e artista do morro. Passou a metade do programa indo pro paredão. As sinhazinhas chegaram a confessar sem pudor diante das câmeras que não tinham justificativa nenhuma pra votar nele. Eu arrisco uma: racismo velado. 

Thelma, a única mulher preta, foi chamada de “planta” por outra participante, a quem eu chamaria seguramente de capitã do mato. Por quê as mulheres pretas são, tão frequentemente, “plantas”? 

Porque sua autoestima foi minada a ponto de não conseguirem se expressar. Porque vivemos ainda em um país escravocrata e provinciano que convence essas mulheres de que ninguém se interessa por elas, e que, portanto, a melhor escolha a fazer é ficar caladinha e imóvel. Ou isso, ou você é a preta metida, o preto rancoroso que milita demais, o coitadista. 

Toda edição é a mesma coisa: ou os pretos são militantes mimizentos e rancorosos, ou são inúteis, ou são simplesmente indesejáveis. Na edição passada, foram eliminados um a um e a participante mais racista da casa – que dizia coisas como “preto com cara de bandido” e “cabelo ruim” pra se referir a cabelo crespo –  levou o prêmio. 

Onde estavam os progressistas antirracistas?

Na internet dizendo que BBB é coisa de gente fútil.

Ontem Babu, invicto nos paredões para os quais foi mandado pelas pessoas brancas que o perseguem sem nenhum motivo, venceu Marcela, uma sinhazinha loira e rica, médica e famosinha na internet, com todas as oportunidades e privilégios que uma médica loira famosinha goza. O ator preto descoberto no projeto “Nós no Morro”, que fez diversos filmes, mas sempre como o bandido, o motorista ou o cara mal-encarado fora de contexto, que cria os filhos sozinho e precisa do prêmio pra viver com dignidade, foi, enfim, o escolhido. 

O antirracismo – que antes parecia estar apenas nas redes sociais, como se passar o dia militando no Instagram fosse menos fútil que ver BBB – se manifestou no horário nobre e eu me senti vencendo junto com Babu. Isso significa que vencemos o racismo? É claro que não, não me venha com graça. Mas conseguimos transmitir o nosso recado em um programa com a audiência do BBB: o racismo não pode continuar a ser tolerado e, mais do que isso, enaltecido em horário nobre. 

“BBB não é programa de caridade”, disse Pyong, um dos racistas dessa edição (aquele que largou o filho recém-nascido nas costas da mãe pra viver seu sonho de subcelebridade). Não é, mesmo, muito menos um programa de justiça social (o nome disso é ProUni e Bolsa Família). 

BBB é programa de sensacionalismo, palco de nossas piores mazelas, reflexo do mais feio de nossa cultura, e talvez valha a pena fazer existir, nesse microverso, o país que a gente quer construir aqui fora: um país em que Babus são exaltados e sinhazinhas modernas são jogadas na cova de desprezo que cavaram com o próprio racismo.