“Estado de bem-estar social produz confiança”, diz ao DCM professor da Finlândia sobre sucesso contra a covid-19

Atualizado em 28 de novembro de 2020 às 8:52
Testes de covid-19 na Finlândia

Enquanto o Brasil conhece uma das taxas de mortalidade de coronavírus mais altas do mundo, com 80 mortos por 100 mil habitantes, a Noruega e a Finlândia vão superando a segunda onda de infecções relativamente intactas.

Apesar de estarem no continente mais afetado pelo coronavírus no mundo, ambos os países estão entre os que registram os menores índices de mortalidade do planeta pela Covid-19. São menos de 7 mortos por 100 mil habitantes na Finlândia e pouco mais de 5 na Noruega, segundo dados recolhidos pela universidade americana Johns Hopkins.

Ainda mais intrigante, “a vida nos países nórdicos têm sido bastante normal durante o conjunto dessa pandemia”, diz o especialista em culturas nórdicas Johan Strang.

Ao Diário do Centro do Mundo, o professor da Universidade de Helsinki aponta os fatores que ajudam a explicar como esses países conseguiram manter um nível baixo de contaminações ao longo de duas ondas de infecções. Ele explica também as diferenças do vizinho sueco.

Uma das chaves, explica, é o Estado de bem-estar social, menos afetado pelo neoliberalismo na Finlândia e na Noruega do que na Suécia. “O modelo de Estado de bem-estar social produz confiança nas autoridades, confiança nos especialistas, confiança na grande imprensa.”

Pistas para o Brasil, que já vive a segunda onda de contágios.

DCM: A Finlândia e a Noruega mantiveram-se entre os países com mais baixo nível de infecção por Covid-19. Como esses países obtiveram tal resultado?

Johan: Há diversos fatores. De uma perspectiva europeia, todos os países nórdicos estão indo bem, a Finlândia e a Noruega em particular. Mas na verdade todos os países nórdicos, até a Suécia, que apesar das notícias do fracasso sueco, numa perspectiva comparativa em relação a outros países europeus, eu acho que ela é mediana.

Uma razão é que os países nórdicos não são muito densamente povoados.
As infecções são muito mais altas nas cidades do que fora das regiões das capitais.

Outro fator é o estado de bem-estar social. Os países nórdicos são geralmente caracterizados pela confiança nas autoridades, confiança nos especialistas, confiança na mídia, confiança nas outras pessoas, o que provavelmente ajuda em crises de confiança. As pessoas fazem o que os especialistas dizem para fazer.

Há um bom sistema de saúde, bons especialistas, o que é provavelmente um fator.

Há muitos estereótipos em torno de os povos nórdicos gostarem de solidão, muito autônomos. Tradicionalmente, não há beijo no rosto nos países nórdicos.

Há famílias muito pequenas. Nós não vivemos de maneira intergeracional. Diferentes gerações não vivem na mesma casa. Temos uma das maiores taxas de pessoas morando em casas na Europa.

O fato de que finlandeses e noruegueses, e suecos numa certa medida, fomos para nossos chalés de verão em vez de praias ou hotéis, de passarmos nossas férias de verão em chalés, ajudou.

Normalmente, Helsinki já é confinada de todo modo por dois meses durante o verão. Todo mundo vai para o campo. Isso provavelmente ajudou a sufocar o vírus durante o verão e a impedir-nos de ter uma segunda onda agora.

DCM: Como vocês estão lidando com o período que corresponde nos outros países europeus à segunda onda de infecções de Covid-19?

Johan: Eu acredito que a segunda onda é menos dramática nas regiões nórdicas, na Finlândia e na Noruega em particular, porque não fomos muito atingidos na primeira.

Eu não sei se os países nórdicos estão lidando com a segunda onda de um modo singular. As medidas parecem ser mais efetivas, o que em parte tem a ver com o nível de confiança da sociedade, com o fato de que o nível de infecções é baixo o suficiente.

Os índices estão subindo rapidamente em Helsinki e Oslo, então não sei até quando vai durar o “sucesso” finlandês e norueguês. Vamos ver até onde vai.

DCM: Até agora, Finlândia e Noruega têm tido um relativo sucesso e um método diferente comparado à Dinamarca e à Suécia. O que explica os diferentes métodos no combate à pandemia?

Johan: A Suécia foi a exceção, foi o país do laxismo, enquanto a Dinamarca estava em sintonia com os outros países nórdicos. Uma das diferenças é que a Finlândia se confinou desde o início, ainda com poucos casos.

De uma perspectiva europeia, a Finlândia é uma ilha no Mar Báltico, o que também nos ajuda. Esse cenário, combinado a uma preparação da Finlândia, com um estoque de equipamentos de saúde, provavelmente ajudou os países nórdicos a estarem aptos a aplicar a política de testes, a estar mais aptos a identificar focos de contaminação e isolá-los do que a Suécia.

A Suécia teve vários problemas durante a pandemia. É muito cedo para qualquer julgamento, mas na Suécia as mortes aconteceram particularmente nas casas de retiro e tiveram problemas decorrentes da neoliberalização dessas instituições, e do mercado de trabalho em geral.

As pessoas que trabalham lá o fazem sob regime de meio-período, e em diversas instituições, então elas disseminam o vírus de uma instituição para outra.

Também por causa de seus contratos precários de trabalho, por não poderem ficar em casa quando estavam doentes, o que era um pilar do estado de bem-estar social nórdico, ou seja, uma pessoa poder ficar em casa quando se sente doente. Mas na Suécia estas regras têm sido flexibilizadas ao ponto de que as pessoas propagaram o vírus, quando deveriam ter ficado em casa.

Outro problema que estão tendo na Suécia é que eles têm um sistema de governança complicado. Em todos os países nórdicos, temos prefeituras e regiões, uma forte democracia local. Mas na Suécia, há uma divisão confusa entre o que é de competência nacional e regional, então o governo não tem sido capaz de implementar suas políticas do mesmo modo que na Finlândia ou na Noruega.

As regiões não têm tido dinheiro para aplicar as medidas, então ignoram-nas.

DCM: Em síntese, você quer dizer que os dois principais fatores que ajudaram a Noruega e a Finlândia é uma forte democracia local, fortes instituições locais, assim como uma lei trabalhista ainda em vigor?

Johan: Meu ponto é que a Suécia tem tido problemas como esses aspectos, que são tradicionalmente vistos como os pontos fortes do modelo de Estado de bem-estar social. A Suécia tem feito mudanças políticas, transformações nas regiões ao longo das décadas, que dificultaram as coisas por lá.

O Estado de bem-estar social sueco talvez não é mais o que costuma-se pensar que ele é.



DCM: Na Finlândia e na Noruega, ainda há esse modelo de Estado de bem-estar social?

Johan: Numa certa medida, sim. A neoliberalização da Noruega e da Finlândia não ocorreu na mesma amplitude que ocorreu na Suécia.

DCM: Há algum movimento coronacético, antimáscara ou antivacina no seu país e na Noruega?

Johan: Há, mas são bastante marginais. O modelo de Estado de bem-estar social produz confiança nas autoridades, confiança nos especialistas, confiança na grande imprensa.

DCM: Há muita divergência política em relação à vacinação da população na Finlândia e na Noruega?

Johan: Tanto a Noruega quanto a Finlândia tem regiões fortemente cristãs e movimentos cristãos. E estes movimentos podem ser de certo modo opostos à vacinação.

Mas de um ponto de vista nacional, eles são muito insignificantes. Se você for ao parlamento nacional, você não ouvirá muitas vozes (contra a vacinação). Talvez uma ou duas vozes.

Não há um debate político geral no sentido de se devemos comprar uma vacina ou não (risos), ou se devemos vacinar o conjunto da população ou não. Isso não é de forma alguma uma discussão.

A discussão é como podemos obter a vacina, de quem, quem deve ser vacinado primeiro.

DCM: A vacina deve ser obrigatória ou opcional?

Johan: Constitucionalmente, você não pode ser forçado a se vacinar. É opcional, mas todo mundo se vacina. É o mesmo para cada vacina nos países nórdicos.

DCM: De quem vocês deverão adquirir a vacina, da Pfizer, Moderna, da China…?

Johan: A Finlândia é parte da União Europeia, então conta com a compra da UE das vacinas da Pfizer. Os países nórdicos que fazem parte da União Europeia devem usar esse canal orçamentário para obter a vacina.

DCM: Como a Finlândia e a Noruega estão se preparando para as consequências psicológicas da pandemia como depressão e transtornos psiquiátricos?

Johan: Tem havido uma discussão especialmente em relação aos jovens. Os países nórdicos estão entre os que mais têm pessoas que moram sozinhas na Europa.

Os jovens, especialmente, saem da casa dos pais muito cedo, na faixa dos 20 anos.

Nas universidades, tem sido uma questão, onde temos pessoas muito sozinhas, que basicamente têm aula pela internet, vivendo suas vidas sem ver outras pessoas, sem ir a festas.

Esse é um problema sério, que não estamos considerando adequadamente. Penso que é algo que deveria ter mais ênfase.

Há uma discussão política na grande mídia mas até agora o governo tem focado em combater o vírus e as pessoas jovens, que estão sofrendo muito, não estão sendo suficientemente levadas a sério.

DCM: Quando você diz isso, quer dizer também que o governo não está tratando da questão do emprego para os jovens?

Johan: Também é definitivamente um problema sério. Pessoas jovens que se mudaram de cidade ou dentro da própria cidade para estudar geralmente trabalham em cafés, restaurantes, áreas em que tem havido uma queda nas oportunidades de emprego.

Os jovens estão pagando a conta. Eu sei que o governo está pensando nisso mas até agora as medidas direcionadas aos jovens tanto de uma perspectiva de trabalho quanto de saúde mental são, ao meu ver, insignificantes.

Eu o digo enquanto cidadão, não enquanto pesquisador.

DCM: A Finlândia e a Noruega se preparam para abrir suas fronteiras em breve?

Johan: Essa é uma questão difícil. Eles estavam planejando abrir suas fronteiras. Acredito que o acordo de Schengen prevê um fechamento de fronteiras por seis meses se houver algum problema severo, mas agora esses seis meses expiraram.

Houve uma discussão se a Finlândia deveria aliviar essas restrições nesse momento, mas elas foram simplesmente prolongadas para conter essa segunda onda do vírus e eu não acredito que essas restrições serão derrubadas antes que haja a vacina.

A Suécia é o único país da Europa que não tem algum tipo de restrição formal.

DCM: Neste momento, quais são as medidas de restrição aplicadas no cotidiano dos finlandeses e noruegueses?

Johan: Nos países nórdicos de um modo geral, comparados com o resto da Europa, e eu digo sem ter viajado a esses últimos meses (risos) mas pelo que reúno das minhas leituras, a vida nos países nórdicos tem sido bastante normal durante o conjunto dessa pandemia.

Nunca houve um confinamento total. Sempre fomos autorizados a sair, para as lojas, as escolas permaneceram abertas por um mês durante a primavera e permanecem abertas. As universidades ensinam a distância. Mas o resto da vida permanece normal.

A Finlândia está reforçando medidas regionais, porque os números estão subindo em Helsinki. Eu acredito que agora o número é de 20 pessoas que podem se encontrar dentro de uma casa em Helsinki.