“Estamos invertendo a lógica constitucional”, diz especialista em educação. Por Mauro Donato

Atualizado em 8 de maio de 2019 às 10:14
Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub no Palácio do Planalto — Foto: Casa Civil, PR

Enquanto o ministro da Educação passava cinco horas no Senado afirmando ser um leitor de Kafta (pergunte a ele como é isso, eu acredito que deve deixar os dedos engordurados), ocorria o seminário “A Educação em descompasso e como um dos principais desafios do país” realizado no Colégio Rio Branco, em São Paulo.

Especialistas da área debatiam as consequências advindas dos cortes anunciados pelo governo Bolsonaro que estão estimados na casa dos R$ 7,3 bilhões só na Educação.

O montante que de fato deixará de ser investido ainda incerto, pois todo dia um novo bloqueio é divulgado e ao mesmo tempo ontem Abraham Weintraub fazia contorcionismos para explicar que contingenciamentos não são cortes e que podem ser revistos.

A afirmação do ministro é bem ao estilo do novo governo, pois conseguiu numa mesma frase falsear um significado numa ponta e confirmar o obvio na outra.

Em ‘economês’, contingenciamento é sim uma interferência restritiva, que estabelece limites. Já com relação a ser reversível, perfeito, contingência é a incerteza de que algo aconteça ou não, segundo os dicionários. Choveu no molhado.

O quadro é ainda mais preocupante uma vez que pode agregar-se aos bloqueios uma descontinuidade do Fundeb, o fundo que arca sozinho com quase metade do orçamento geral da educação básica do país. A discussão começa hoje em Brasília.

O DCM ouviu Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Preocupada com os impactos que os bloqueios trarão tanto no curto como no longo prazo, ela alerta que o desinvestimento atual associado ao teto de gastos decretado durante o governo Temer jogará no lixo programas essenciais como o PNE (Plano Nacional de Educação).

Desde sua implementação em 2014, apenas um dispositivo do PNE está sendo cumprido integralmente.

Quais as consequências dos bloqueios anunciados?
“Nós já vivemos sob uma política de teto de gastos, só isso já impacta gravemente na educação. Já vivemos com problemas muito graves na implementação do Programa Nacional de Educação que é nossa principal política educacional. Se agora passaremos a ter medidas que não respeitam nem o teto, aí começamos a entrar num risco muito maior. Quando a gente pensa em termos educacionais precisamos de um custo mínimo. Um parâmetro mínimo de qualidade necessita de aproximadamente R$ 50 bilhões a mais de investimento. A mais, não a menos. Então quando vemos cortes nas cifras que estão sendo divulgadas em torno do R$ 7 bi, vemos que várias escolas públicas não terão acesso a recursos básicos, não terão financiamento adequado e daí isso impacta em exclusão e evasão escolar, em regressão na aprendizagem. Temos debatido isso muito, pois impacta de forma sistêmica.”

A combinação entre o teto de gastos e os cortes atuais representaria exatamente o que no longo prazo?
“Esse período de 20 anos do teto, de 2016 até 2036, inviabiliza a melhoria da educação por via de dois planos que são o PNE de 2014 a 2024 e o plano seguinte de 2024 a 2034. Os dois estão dentro do período achatado pelo teto. Mas especialmente agora era a pior hora para se fazer isso. Estamos na última fase da pirâmide etária do Brasil em que a gente tem uma maior taxa da população composta de jovens. Essa população vai envelhecer sem as condições necessárias para um exercício da cidadania, para um desenvolvimento pleno da sociedade e para o próprio mercado de trabalho. Gravíssimo pois estaremos perdendo a chance de sairmos desse atraso histórico.”

Essas políticas são danosas para o tecido social…
“Afeta o tecido social, econômico, afeta o Estado. Gera vulnerabilidade social, violência. Têm crianças fora da escola em situação de risco e isso irá impactar no futuro delas e do país. Estamos descumprindo direito constitucional e direitos humanos. Estamos comprometendo direitos e desenvolvimento. Isso é muito grave.”

Faz parte de um projeto de precarização para privatizar tudo?
“A finalidade da política econômica é a privatização. A preocupação muitas vezes é com resultados e não com a estrutura. Produz-se resultados na linguagem econométrica que se coloca numa posição de neutralidade que na verdade defende o caminho bem determinado de um estado mínimo de filosofia ‘seja o que deus quiser’, ‘cada um por si’. É um processo de esgarçamento do direito social e da política pública. Estamos invertendo a lógica constitucional pois é dever do Estado garantir esses direitos.”