Estive na Cracolândia e lembrei de você

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:29

cracolândia

 

Com a Copa do Mundo batendo à porta, é legítimo imaginar autoridades varrendo a sujeira das cidades para debaixo do tapete urbano com fins de não assustar as visitas. É sob esse ângulo que deve ser visto como positiva a atitude low profile do prefeito Fernando Haddad em relação à cracolândia.

Após a desastrosa ação conjunta de Gilberto Kassab e Geraldo Alckmin em 2012, na qual um problema concentrado transformou-se em outros duzentos dispersos, Haddad tem pisado em ovos com o tema. Mas até quando?

Não será possível resolver bem resolvido em um espaço de cinco meses, que é o tempo que falta para a Copa do Mundo. E nenhuma autoridade irá querer que a situação atual dure até lá, certo? Ou veremos finalmente alguém esquecer o evento esportivo e trabalhar com responsabilidade?

Não há apenas o calendário da Copa pressionando. Moradores do entorno já não suportam mais o cenário de campo de refugiados que se vê na região e há cerca de um mês protocolaram ofícios nas secretarias de Segurança tanto estadual como na municipal, reivindicando a desocupação imediata do passeio público na alameda Dino Bueno e rua Helvétia, locais onde as caixas de papelão evoluíram para barracas de lona. Um embrião de favela, em suma.

Para os vizinhos, o método tropa de choque é um mal necessário. Compreensível porém abominável saída. O efeito disso é o que estamos assistindo agora.

Como seu antecessor, Haddad também está em sintonia com o governo tucano, realizando reuniões estratégicas e ambos prometem algo menos traumático desta vez. Sem violência, sem soluções milagrosas. Pelo contrário, o prefeito assegura que só fará a remoção da favelinha depois da acomodação daquelas pessoas em moradias minimamente dignas. Vai além: sugere pagamento de auxílio aluguel e estuda empregar os moradores em serviços como os de manutenção de praças, por exemplo.

“Nós estamos tratando isso como um problema de saúde, nós não vamos tratar com violência. Nós temos que aprender com o passado, não podemos repetir os erros já cometidos. Então vamos afastar qualquer tipo de abordagem higienista”, disse o prefeito nesta segunda-feira. Só não falou em prazo.

Ótimo!

Em se tratando de assunto abandonado ou mal administrado há décadas, é natural que se espere urgência mas o que devemos de fato desejar é bom senso e empenho. O devagar e sempre será mais produtivo do que o corre-corre das medidas cosméticas. A fala do prefeito colabora inclusive para apaziguar um pouco os ânimos dos moradores dos barracos. Nas últimas semanas a tensão ali aumentou muito com os rumores de uma possível intervenção da polícia. O clima é de muita hostilidade e ninguém consegue uma aproximação suave há tempos. Vários jornalistas receberam ameaças.

O prefeito faz bem em não ceder à tentação da solução rápida por mais que o assunto seja antigo e demande pressa. Até porque os usuários e suas barracas são apenas sintoma. As causas são anteriores e conhecidíssimas: a) Se a droga chega ali, é porque há tráfico; b) De acordo com uma pesquisa realizada com os dependentes químicos daquela região, a maioria dos que ali vivem é composta por ex-presidiários.

Ou seja, as condições do regime prisional brasileiro e o ineficiente combate ao tráfico é que estão na raiz. Se nada é feito ali, ficamos igual a cachorro correndo atrás do rabo.

O crack é um problemão que se distendeu em problema de saúde, problema habitacional, problema de segurança. Se estrangeiros ocasionalmente tomarem contato com aquele indesejável ponto turístico de São Paulo, paciência. Não levarão uma camiseta com a inscrição “Estive na cracolândia e lembrei de você” ou uma pedra como recordação, afinal crack não é suvenir. É droga.