Estudo da Poli alertou em 2011 para os efeitos do aquecimento global no litoral norte de SP; nada foi feito

Atualizado em 19 de fevereiro de 2023 às 17:20
A Barra do Una, litoral norte de SP, antes e depois das chuvas

Fortes chuvas atingiram o litoral norte de São Paulo neste sábado (18) e causaram uma tragédia. Uma criança de 7 anos morreu em um deslizamento de terra em Ubatuba. Em São Sebastião, uma mulher e um bebê de 9 meses foram soterrados em São Sebastião. A prefeitura decretou estado de calamidade pública no domingo (19).

Em menos de 24 horas, o acumulado de chuva ultrapassou os 600 mm em diversos pontos do litoral, índices pluviométricos que são dos maiores já registrados no país em curto período e em situação não decorrente de ciclone tropical.

Uma casa com três crianças desabou. Não se sabe ainda o estado delas. Todos os desfiles e demais eventos do Carnaval estão suspensos.

O aquecimento global altera a frequência dessas grandes tempestados. A ocorrência delas passa de séculos ou décadas para anos ou meses, entre outros efeitos.

Quem está morrendo são os mais pobres, evidentemente. Os ricos estão perdendo suas mansões. O prejuízo é incalculável.

Em 2011, um estudo da Poli, a Escola Politécnica da USP, em parceria com o ITA, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, e outras instituições, avisou que o nível das marés baixas se elevará um metro ao longo deste século.

“Queremos evitar que quando fenômenos como esse se repetirem não ocorram tantas perdas de vidas e desabrigados”, disse o professor Paolo Alfredini, então titular do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental (PHD).

O que disse o levantamento:

Por causa do aquecimento global, a maré baixa (baixa mar) no litoral norte de São Paulo vem se elevando nas últimas décadas a uma taxa de 70 centímetros por século, valor que deve chegar a um metro ao longo deste século. Essa é uma das principais conclusões de um estudo realizado pelo professor titular Paolo Alfredini, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental (PHD), da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

Para chegar a esse resultado, ele analisou os dados registrados entre 1944 e 2007, pelo marégrafo da Companhia Docas do Estado de São Paulo, bem como os dados de 1954 a 2005 disponíveis nos marégrafos em Ubatuba, São Sebastião e Caraguatatuba e na Bóia Oceanográfica do CEBIMAR (Centro de Biologia Marinha) da USP em São Sebastião.

O trabalho de Alfredini foi feito no âmbito da Rede Litoral, formada por pesquisadores e docentes da Poli, dos institutos Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), além de professores visitantes. Trata-se de um projeto financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do edital de temas estratégicos Ciências do Mar, com duração de quatro anos (2010-2014).

De acordo com Alfredini, cada uma das instituições participantes da Rede Litoral desenvolve pesquisa em torno de um eixo temático, mas trocando informações e complementando atividades. “O objetivo da rede é estudar o impacto das mudanças climáticas no litoral norte de São Paulo (São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba e Ilha Bela)”, explica. “Nós da Poli, dentro da rede, temos como meta avaliar os aspectos ligados à hidráulica marítima e fluvial e apontar conceitualmente ações e obras para mitigar os problemas decorrentes da elevação relativa do nível do mar.”

Além do estudo sobre as marés, a equipe da Poli, composta por Alfredini e alguns de seus alunos, está desenvolvendo outras pesquisas dentro da Rede Litoral. Um deles é um levantamento de campo na barra do Rio Juqueriquerê, em Caraguatatuba. “É o maior rio do litoral norte e o único que tem um potencial de navegação, embora limitado”, explica Afredini. “Por isso, nós estamos estudando as características da sua foz, onde estão as menores profundidades dele, para avaliar como as alterações climáticas, que mudam ondas e marés, podem beneficiar ou não a navegação.”

Entender como e por que ocorrem os escorregamentos de terra nas encostas de Caraguatatuba é o objetivo de outro estudo que vem sendo realizado por Alfredini. Com isso, ele quer ajudar a evitar que se repita a tragédia de 1967, quando um deslizamento naquele município deixou 436 mortos e cerca de 3.000 desabrigados. “É preciso notar que isso ocorreu quando Caraguatatuba tinha 15 mil habitantes”, diz o pesquisador da Poli. “Hoje a cidade tem 100 mil, grande parte vivendo em áreas de risco.”

Para entender os deslizamentos na região, a equipe da Poli está estudando os córregos formadores do Rio Santo Antonio, que passam pelo local onde aconteceu a catástrofe de 1967. “Eles descem as encostas nas laterais da Rodovia dos Tamoios, e foi ali que começaram os escorregamentos em 67”, explica Alfredini. “Por isso, é importante conhecer esses pontos, que ainda hoje tem cicatrizes. A vegetação ainda é mais baixa. Nessa catástrofe, não só terra e rocha vieram para baixo, as árvores também. Queremos evitar que quando fenômenos como esse se repetirem  não ocorram tantas perdas de vidas e desabrigados, como ocorreu no mês de janeiro na região serrana do Estado do Rio de Janeiro.”