Estudo mostra o nepotismo presente na biografia de dois figurões da Lava Jato. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 26 de novembro de 2018 às 18:44
Fischer e Fachin

Um artigo do professor Willian Carneiro Bianeck, mestrando em sociologia pela Universidade Federal do Paraná, coloca o dedo na ferida do nepotismo do Judiciário no Estado e joga luzes sobre a nomeação de dois desembargadores ligados a dois nomes de peso da Lava Jato: os ministros Felix Fisher e Luiz Edson Fachin. O primeiro é relator da operação no Superior Tribunal de Justiça e o segundo, no Supremo Tribunal Federal.

“O  Poder  Judiciário é  composto majoritariamente  por juízes  de  carreira.  Porém,  a  Constituição prevê  que  um  quinto  dos  membros  dos  Tribunais  seja  composto  por  egressos  do  Ministério Público  e  da OAB.  O  instituto,  embora  vise  à  oxigenação  de  ideias  do  Judiciário,  em  verdade acaba  se  tornando  meio  de  perpetrar  a  prática  de  nepotismo,  porque  os  critérios  legais  para  a assunção  ao  cargo  da  magistratura  pelo  quinto  constitucional  são  meramente  formais,  não  prevendo  requisitos  qualitativos”, explica ele, logo na abertura do artigo (abaixo, na íntegra).

No caso de Félix Fischer, o nomeado foi o filho dele, Octávio Campos Fischer. Ele foi indicado em uma lista com seis nomes apresentada pela OAB do Paraná. O Tribunal escolheu três desses indicados e encaminhou para o governador do Estado, na época Beto Richa, e ele o escolheu. Otávio Fischer foi empossado em junho de 2013.

Mas quem consulta a sua biografia no tribunal encontra referências sobre cursos que fez e funções que ocupou na OAB, mas nada sobre o pai famoso, que seria a verdadeira razão para ser nomeado. Até porque Octávio Fischer era um advogado sem muita experiência e teve o nome citado em um escândalo antes de ser escolhido.

No estudo, o professor Bianeck lembra:

“Octávio Fischer atuava como  advogado,  inclusive  nas  cortes  superiores em  Brasília.  Por  possuir  capitais  simbólicos  herdados,  tendo  em  vista  a  sua  tradição  familiar,  tinha  facilidade  de  acesso  a  ministros  e  a  políticos  em Brasília. Há suspeitas de que Fischer intermediava a venda de decisões com o ministro aposentado compulsoriamente Paulo Medina”.

O escândalo da venda de sentenças, além de levar à aposentadoria compulsória do ministro Medina, respingou em outro nome ligado ao ministro Fischer. É de Leonaro Bechara Stancioli. É que, no curso de uma investigação sobre venda de sentenças para a quadrilha de Carlinhos Cachoeira no esquema de máquinas de caça níquel, em 2007, a Polícia Federal flagrou uma conversa entre o ministro Medina e Stancioli, seu genro.

Em reportagem publicada pelo DCM em julho deste ano, escrevi:

No Paraná, Stancioli é conhecido pelo escândalo protagonizado em 2007, com a divulgação pela revista Veja de escutas telefônicas autorizadas pela justiça, em que o ministro do STJ Paulo Medina aparece numa conversa com ele, que é seu genro.

Medina diz a Stancioli que um “esquema” estava montado, para garantir a aprovação dele no concurso para juiz substituto no Tribunal de Justiça do Estado.

”A missão está cumprida, viu, Léo?”, disse o desembargador, segundo reprodução no jornal O Estado de S. Paulo.

O resultado do concurso foi divulgado em 28 de novembro de 2006 e homologado em 11 de dezembro, com a aprovação de 22 pessoas. Stancioli apareceu em 17º lugar e, apesar de um pedido de investigação por parte da OAB, acabou nomeado e depois convocado para atuar no STJ. O Tribunal de Justiça do Paraná abriu sindicância, mas ‘inocentou’ Stancioli da acusação de fraude.

Desde sua posse, Stancioli tem sido requisitado sucessivamente para atuar como assessor de Felix Fischer no STJ. A última convocação, há seis meses, foi assinada pela presidente do STF, Laurita Vaz, que foi promotora do Estado de Goiás, colega de Demóstenes Torres, ex-senador que perdeu o cargo depois de ser acusado de usar o mandato para beneficiar Carlinhos Cachoeira, que, por sua vezes, se beneficiava das sentenças de Medina.

No estudo sobre o nepotismo, o professor Bianeck cita também o caso de Rosana Amara Girardi Fachin, esposa do ministro Luiz Edson Fachin, desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná.

Na biografia dela no tribunal, há referência sobre seu trabalho como advogada, nome do pai, da mãe, local de nascimento, mas nenhuma linha sobre o marido, embora, à época em que ela foi empossada pelo quinto constitucional reservado à OAB, o marido Fachin fosse um nome influente do direito no Estado, como procurador e professor da Universidade Federal do Paraná.

No estudo, o professor Bianeck conclui:

As redes de influências que os candidatos ao cargo de desembargador, embora não sejam  fatores  oficiais  para  a  nomeação  à  vaga  do  quinto  constitucional,  mostram‐se  circunstâncias  relevantes que condicionam a escolha da pessoa que assumirá a função judicante. Por mais que os  candidatos à vaga tentem omitir tais traços de capitais simbólicos em suas declarações e biografiaspessoais  ou  até  mesmo  minimizar  as  influências  e  inclusive  valorá‐los  negativamente,  não  há  como  se  olvidar  o  fato  de  que  quem  herda  esses  capitais  tem  maiores  chances  de  integrar  os  quadros da magistratura.

O que Bianeck descreve é uma rede de influência, que ajuda a perpetuar um modo de atuação que atende muito mais aos interesses de famílias poderosas — às vezes, acima desses magistrados — do que aos interesses da justiça, entendida a justiça em seu sentido ideal, o de promover a igualdade entre os cidadãos, sem privilégios de nenhuma natureza a ninguém.