Estupro corretivo e assassinato: vereadora mais jovem de Ribeirão Preto enfrenta há 3 anos ameaças e agressões

Atualizado em 29 de setembro de 2023 às 10:20
Duda Hidalgo falando em microfone
A vereadora Duda Hidalgo (PT): 24 anos e pelo menos oito boletins de ocorrência lavrados por ameaças de morte e estupro, ofensas, racismo e homofobia (crédito: arquivo pessoal)

A vereadora Duda Hidalgo (PT), de Ribeirão Preto, possui diversas singularidades em sua carreira política, algumas delas inéditas, colocando-a na história do poder legislativo deste município paulista de 700 mil habitantes, a 315 quilômetros da capital.

Melhor seria dizer singularidades neste início de carreira política. Duda Hidalgo está em seu primeiro mandato, tem 24 anos, nasceu no dia 17 de junho de 1999. Quando foi eleita, tinha 21, o que a torna a mais jovem vereadora da história da Câmara de Ribeirão Preto.

Ela se formou neste ano de 2023 na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP). A equipe de seu gabinete (cinco assessores e uma estagiária) tem uma média de idade de 24 anos, a maior parte da área do Direito, formados ou já com a data de entrega do TCC marcada.

Duda Hidalgo é bissexual. As pessoas que votaram nela em 2020 já sabiam disso. Nunca foi segredo. Duda Hidalgo é a primeira mulher assumidamente lésbica ou bissexual eleita na história da Câmara de Ribeirão Preto.

Ela foi eleita sem esconder sua orientação, mas isso não significa que seu mandato tenha bandeira única, ação específica em causas ligadas à sexualidade.

No dia 10 de março de 2021, por exemplo, ainda no comecinho da legislatura, a vereadora e sua equipe comemoraram a primeira vitória de sua atuação: a obtenção de verba federal para um programa de expansão de uma escola pública da cidade. Assim apresentaram a seus eleitores, via redes sociais, o feito alcançado:

“Esta emenda foi destinada visando a universalização da educação infantil, assim como previsto na meta 1 do Plano Nacional da Educação (PNE). Direito este que por vezes é negado às nossas crianças.

Fico muito feliz em participar dessa articulação conjunta entre o Legislativo Federal e Municipal para ampliar o atendimento da rede. Educação é um direito! ”

Não que questões de sexualidade ou de gênero estejam fora da agenda da vereadora. O combate à violência contra a mulher sempre esteve e está presente, como mostra o exemplo abaixo, da época da campanha eleitoral.

“O Brasil não é um país seguro para mulheres”, lembrava Duda Hidalgo em 2020

Violência de gênero e homofobia, aliás, são os responsáveis por outra marca histórica da incipiente carreira de Duda Hidalgo.

Desde que iniciou sua campanha, em 2020, a vereadora já foi à polícia oito vezes lavrar boletim de ocorrência em virtude das agressões e ameaças que sofre. A última foi no mês passado. Chegou por email. A reprodução abaixo foi enviada pela equipe do gabinete da parlamentar, eles decidiram esconder com tarja preta as partes mais gráficas das ameaças, mas para polícia foi entregue a versão integral.

E-mail com ameaças recebido pela vereadora Duda Hidalgo. Reprodução

Estupro coletivo e corretivo, para curar essa doença chamada lesbianismo. É isso que está escrito.

Mensagens de teor semelhantes foram enviadas na mesma data para outras a deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS), as deputadas estaduais Rosa Amorim (PT-PE) e Bella Gonçalves (PSOL-MG) e as vereadoras Mônica Benício (PSOL), do Rio de Janeiro, e Iza Lourença e Cida Falabella, ambas do PSOL em Belo Horizonte.

Mas essa foi só a última, não foi a primeira, não foi a penúltima. Em 22 de fevereiro do ano passado, por exemplo, a vereadora recebeu ameaça de morte e muito mais. Mensagens recomendando que ela ficasse quieta, sob o risco de “ter a boca calada do pior jeito”.

Ela então foi ao plenário da Câmara e avisou: “Não adianta. Eu não vou abaixar a cabeça”.

E daí ainda enumerou outros casos que estavam ocorrendo pelo país, com outras parlamentares como ela, que como ela também tinham decidido não abaixar a cabeça. Está tudo no histórico vídeo que segue abaixo.

Em outro exemplo, este já de 2021, Duda Hidalgo foi chamada de “negrinha com cabelo de mendigo”, além de receber ameaças contra si e familiares.

Na última terça-feira (26), Duda Hidalgo interrompeu por 20 minutos sua tarde de trabalho e concedeu a entrevista que segue abaixo.

Quando tiveram início as ameaças e ofensas?

Duda Hidalgo: Desde que anunciei a minha candidatura.

Quando a senhora percebeu que passaria a ser alvo sistemático de um tratamento discriminatório?

Na primeira entrevista que eu dei depois de eleita, para uma rádio aqui de Ribeirão, me perguntaram se, agora que eu seria vereadora, eu passaria a me vestir melhor. Eu respondi que não sabia o que significava aquilo.

Na verdade, eu fiquei chocada. São inúmeras mulheres que passam por isso.

As discriminações foram se intensificando, de muitos lados. Ouvia, lia que eu tinha cabelo de mendigo, que eu era só uma menina, que representava um desperdício de tempo e dinheiro para a Câmara, que eu fosse estudar, que eu voltasse para os meus pais.

A senhora já foi à polícia denunciar essas ameaças?

Já fiz, pelo menos, oito boletins de ocorrência na polícia, de 2020 para cá.

Alguém já foi indiciado, processado, condenado ou preso em virtude das investigações?

Não, nunca, em nenhuma das vezes. E este é o primeiro fato que estimula essa escalada: a impunidade.

Possui algum tipo de segurança destacada?

Durante a campanha, em alguns eventos grandes em espaços abertos, a gente contratou equipe de segurança, no limite dos recursos que a gente tinha.

Depois que me tornei vereadora, depois que um homem entrou no meu gabinete e abaixou as calças, eu solicitei à presidência da Câmara que reforçasse a segurança na entrada da Casa, e que reforçasse também a segurança na área do prédio onde estava meu gabinete. Nenhum dos pedidos foi atendido.

A senhora tem medo de continuar na política? Cogita abandonar a vida pública?

De jeito nenhum. Isso me motiva a continuar. A luta que a gente está fazendo incomoda. É a comprovação de que estamos enfrentando algo estrutural. Quando essa violência aflora, é o momento que podemos e devemos combatê-la.

Mas sei dos perigos que existem. Quando a gente fala de uma minoria sofrendo ameaças, a probabilidade de concretização desses atos é muito maior.

É uma questão séria, precisa acabar. Isso demonstra que a gente tem que avançar para vencer esse déficit de democracia que existe, não deveria ser mais difícil a experiência de ser parlamentar por ser de uma (ou mais) minoria(s).

*Com informações do PT Paulista

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