Et nunc et semper dilectae dicatum

Atualizado em 6 de julho de 2011 às 15:29
O maior de todos

Pego um Balzac ao acaso. Numa época li compulsivamente Balzac, para mim o maior dos romancistas de todos os tempos. A Comédia Humana, sua grande obra, um número extraordinário de histórias e personagens reunidas em quase vinte volumes. As Ilusões Perdidas, parte deste conjunto majestoso, é meu romance favorito de Balzac. O título é tocante. As Ilusões Perdidas. Quem de nós não teve ou não tem ilusões, e quem de nós não as perdeu ou as perderá? Ah, você não leu As Ilusões Perdidas? Corra. Certas coisas a gente tem que fazer.  Uma delas, um amigo me disse um dia, é matar uma tarde de trabalho para ver uma sessão de cinema das duas. Era o sonho daquele amigo, e  ele não o tinha realizado até o dia em que candidamente me fez a confissão cinematográfica e vespertina. Outra coisa que a gente tem que fazer é ler As Ilusões Perdidas.

Abro ao acaso um volume da Comédia Humana. É o romance Luís Lambert. Vejo a dedicatória balzaquiana. Et nunc et semper dilectae dicatum. (Agora e como sempre dedicado à mulher amada.)  Latim. Balzac chamava de Dilecta sua primeira amante, uma mulher casada, Laure de Berny. No romance O Lírio do Vale Laure apareceu como Sra. De Mortsauf.

Amante. Que mulher não experimenta uma vibração intensa ao realizar o sonho, a fantasia ou o pesadelo de ter um amante? Madame Bovary, de Flaubert, outro dos meus romancistas amados, e um competidor sério de Balzac como o maior entre os maiores, Madame Bovary, eu dizia, gritou quando para si mesma quando consumou o adultério. “Tenho um amante, tenho um amante”. Não terminou bem ela, e nem outras adúlteras maravilhosas da literatura, como Ana Karenina e Capitu. Terão os romancistas sido fiéis à realidade dura do adultério ou ao moralismo masculino? Não sei, não sei.

Volto a  Balzac. Folheio Balzac e chego a um ensaio chamado Fisiologia do Casamento. Um trecho menor de A Comédia Humana. Mas o o menor de Balzac é grande.  Reparo num afosrimo. Reflito sobre ele, mas não chego a uma conclusão consistente. Gostaria de chamar Balzac e perguntar a ele exatamente o que ele quis dizer. Ei-lo: “Uma mulher honesta é aquela que os amantes temem comprometer”. Você entendeu melhor que eu? Sei apenas que é uma frase de gênio. Fecho Balzac. Um compromisso me chama. Uma mulher honesta é aquela que os amantes temem comprometer. A frase, que não compreendo, me enleva pela assombrosa beleza enigmática com que as palavras se encadeiam.