“Eu achava seu país tolerante e livre. Bolsonaro destruiu essa imagem”, diz francês que desistiu de morar no Brasil

Atualizado em 28 de julho de 2019 às 18:48
Willy Delvalle e Yoan

Ele planejava se mudar para a América Latina. Por isso, começou a estudar espanhol e português. O último porque lhe interessava morar no Brasil. O judeu francês Yoan, 25 anos, engenheiro, se sentia atraído pela tolerância e liberdade que para ele caracterizavam o país. Mas a vitória de Bolsonaro nas últimas eleições colocou seus planos em xeque.

Para ele, o novo presidente resgata a memória do pior, Adolf Hitler. “Estamos em parte diante do mesmo tipo de personalidade, em parte no mesmo tipo de situação econômica que faz com que as pessoas estejam dispostas a fechar os olhos”, diz.

Estigmatização, humilhação, opressão e deportação de judeus agora, explica, se dirigem à comunidade LGBT, uma das primeiras vítimas de Bolsonaro. Yoan, que prefere não ter o sobrenome revelado por medo de represálias numa eventual ida ao Brasil ou a Israel, acredita que, diferentemente de Trump nos EUA, a democracia brasileira não é forte o suficiente para conter o extremismo de seu chefe de Estado.

Nesta entrevista para o DCM, Yoan denuncia a desigualdade social no governo de Benjamin Netanyahu, fala da ligação com Bolsonaro, da indústria de armas, do nazismo, do exílio de Jean Wyllys e das suas esperanças para o Brasil, cujo governo, nas suas palavras, vai ser fascista.

Você pretendia se mudar para o Brasil, mas houve uma mudança de ideia. Por quê?

Eu tinha um projeto de ir para a América Latina, não necessariamente para o Brasil. Mas eu gostava bastante do Brasil. Então eu comecei a aprender o português brasileiro para o caso de conseguir alguma oportunidade já conhecer a língua e poder trabalhar. Algumas semanas depois, Bolsonaro se elegeu.

E eu acredito que sua posição, principalmente em termos de sociedade e democracia, são extremas e realmente não sei como isso vai se transformar em realidade, o que é que isso vai ser para a realidade das pessoas em geral. Vai virar uma ditadura? Haverá opressão? Será, por exemplo, uma democracia como a de Cuba? Será como na Rússia? Eu tinha uma imagem do Brasil de tolerante, livre e aberto. Era disso que eu gostava.

O que você chama de “posições extremas”?

Eu falo sobretudo de posições sociais. Pelo que entendi, economicamente Bolsonaro não entende muita coisa (risos) e ele vai dar todo o controle a seu ministro (da Fazenda). Mas suas posições sociais e ambientais, eu acho extremas, em relação aos povos indígenas, às minorias, aos negros, aos homossexuais, os povos da Amazônia, onde ele não vai ser protetor de forma alguma.

Ele vai ser o vilão e abusar de sua posição de poder para reprimir e tirar seus direitos. Em relação às mulheres, ele faz propostas que vão no sentido contrário da igualdade, do respeito. Suas posições sobre o desmatamento e o meio ambiente são catastróficas porque eu via isso (o meio ambiente) como um meio transitório de incentivar a economia brasileira. Mas se no final das contas a solução não é a ferramenta para desenvolver o Brasil e outras indústrias não forem criadas para substituir o desmatamento,

não é viável de maneira alguma. E um dos mais maiores ecossistemas do mundo, o pulmão do planeta, e se não houver lei para garantir a proteção dessa região, pode ser catastrófico inclusive em escala mundial.

Outros franceses ou europeus compartilham do mesmo sentimento que você em relação ao Brasil agora?

Eu penso que muitos estão preocupados com a política ambiental, mas eu não penso que as pessoas vejam o perigo que é Bolsonaro em termos de direitos humanos. Eles o veem como Trump, que tem propostas peculiares e que podem chocar, mas que não vai colocar em questão a democracia, que não vai colocar em questão a sociedade.

Vemos que nos Estados Unidos ele está bloqueado por todas as partes. Eu que eu temo com Bolsonaro é que eu não conheço bem a democracia brasileira. E não sei se ela é suficientemente forte para contê-lo e fazer contrapeso a suas posições. Ele terá plenos poderes? Poderá fazer o que quiser? Ou o resto do país vai freá-lo nas suas convicções?

As pessoas com quem eu falei veem mais a questão dos povos indígenas e da floresta amazônica. Na verdade, vai ser um governo fascista que vai reprimir a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa, a liberdade de orientação sexual e que vai estigmatizar.

Bolsonaro tem uma relação muito próxima com Benjamin Netanyahu. O que você pensa sobre isso?

Não conheço muito a relação deles. Vejo que eles se comunicam bastante, que Israel enviou uma equipe de socorro ao rompimento da barragem (de Brumadinho). Eu não sou muito favorável a isso. Não gosto que Israel seja associado a Bolsonaro. Israel é um país que precisa de aliados, um país bastante vulnerável, que se protege como pode pela sua indústria militar.

Mas se os Estados Unidos não forem mais aliados de Israel, é um país que perderá muito de sua capacidade defesa e que será muito mais vulnerável. Então, Israel é um país que vai procurar aliados onde ele puder. Netanyahu é muito bom em desenvolver a diplomacia israelense. Penso que ele viu em Bolsonaro uma oportunidade de construir uma ligação com um país muito poderoso como o Brasil.

A eleição de Bolsonaro é em parte atribuída ao lobby das armas. Você acredita que isso explica em parte por que Netanyahu vê nele um aliado?

Deve haver razões econômicas, é possível. Israel é um país que evolui também por sua indústria militar porque ele tinha necessidade de defesa imediata. Então, é um país exportador de armas e soluções militares. Talvez ele veja no Brasil um mercado possível.

Diversos membros do governo Bolsonaro criticaram seu vice-presidente porque ele buscou um diálogo com a Palestina. Qual o seu ponto de vista?

Eu penso que a Palestina é um assunto delicado. Penso que os dois lados queremos paz. Um Estado Palestino, por que não? O que é negado por Israel é dar legitimidade à Palestina e definir a Palestina como um país sem haver um reconhecimento de Israel e paz.

Então começar um diálogo com a Palestina, que não é considerada como um país, pode ser visto pelos israelenses como um meio de tornar a Palestina um país, sem ter obtido a paz antes. Agora, por que o governo Bolsonaro não gostou disso? Eu não conheço sua relação com a comunidade judaica brasileira. Eu sei que Trump é ligado à comunidade judia americana e que é por isso que ele tem uma política mais favorável a Israel. Mas eu não saberia responder a essa pergunta.

Netanyahu e Bolsonaro na posse do brasileiro

Antes de ser eleito, Bolsonaro foi convidado pelo clube Hebraica do Rio de Janeiro para dar uma palestra. Ele fez piadas machistas, racistas, contra as ONGs de defesa dos direitos humanos. O público riu e gostou dele. Uma outra parte da comunidade judaica brasileira se indignou com o convite. Como você reage a isso?

Como toda comunidade ou todo país, há os que serão a favor e contra, como qualquer povo. Globalmente, eu sou contra Bolsonaro e o considero perigoso. E mesmo ele tendo uma visão positiva sobre Israel, eu acredito que não é um aliado que eu gostaria de ter. Eu prefiro ter outros aliados. Em toda comunidade há os que são tolerantes, o que são intolerantes. Eu estaria entre os que se indignaram.

Qual a percepção dos israelenses sobre Bolsonaro?

Eu acredito que os israelenses estão contentes com o fato de que ele quer transferir a Embaixada. O resto é menos importante para eles.

O que tornaria o Brasil mais atraente hoje?

Sem Bolsonaro (risos). Se ele ficar, a sensação de que a democracia brasileira é forte, que a liberdade de expressão for mantida, que a restrição da capacidade dos outros partidos políticos seja visível. O que me dá medo hoje é que se Bolsonaro disser “vamos eliminar os direitos homossexuais da Constituição” e que ninguém possa fazer nada contra, o fato de que ele diga e isso transforme em ato, isso eu acho perigoso.

Num país com uma democracia forte, os outros partidos se engajariam para defender as conquistas. Esse é um exemplo. Não sei como é no Brasil em relação ao aborto, é legal no Brasil?

Em caso de estupro, má formação do bebê (anencéfalo) e risco à saúde da mãe, com um perigo de morte.

Se Bolsonaro decidir que não há nenhuma forma de abortar, o fato que os outros partidos possam, pela Assembleia Nacional, pela imprensa, por manifestações, possam impedir essa política de se concretizar, eu acharia isso tranquilizador. Ok, ele pode ter posições extremas, como Trump, mas não pode fazer o que quer. Os direitos, as liberdades e a segurança de todos é protegida.

O que você pensa do exílio do deputado Jean Wyllys, um deputado LGBT que foi reeleito pela terceira vez, que decidiu de partir do Brasil por ameaças de morte e Bolsonaro saudou sua partida?

Um misto de sensações. Eu acho que ele tivesse ficado no Brasil, teria sido torturado até a morte. Eu vi um vídeo no qual Bolsonaro insulta, ameaça de tortura, de prisão. Então não há dúvidas que ele o faria. Se ele tivesse ficado no Brasil, terminaria muito mal. Por outro lado, isso mostra à comunidade LGBT que não vão poder se defender. Que se até a pessoa que lhes representa se sente em perigo de morte, não são eles que vão enfrentar Bolsonaro.

Para mim, é o pior aspecto de Bolsonaro, em relação à comunidade LGBT. Eu acredito que Bolsonaro é para os LGBTs o que Hitler era para os judeus. Hitler, quando chegou ao poder, a primeira coisa que ele fez foi estigmatizar os judeus, humilhá-los, criar uma imagem deles que faz com que eles não fossem respeitados ou respeitáveis. Em segundo lugar, ele tirou seus direitos. Ele lhes tirou sua representação, proibiu o acesso a certos lugares. Depois, isolou-os, de forma que eles fossem distinguíveis, de modo que não pudessem se mostrar.

Depois, os deportou, matou-os porque considerou que eram perigo para o resto da sociedade. O que me faz mais temer nessa história é que, tenho a impressão de que estamos em parte diante do mesmo tipo de personalidade, em parte no mesmo tipo de situação econômica que faz com que as pessoas estejam dispostas a fechar os olhos sobre porque, para eles, a política econômica é o mais importante e que estão dispostos a fazer o sacrifício. Eu creio que o que aconteceu com a lei (brasileira) já foi tirar-lhes direitos e estigmatizar. Humilhar, ele já fazia abertamente. Tirar direitos é a segunda etapa, fazer com que não haja representação, fazer que sejam vulneráveis. A sequência pode se transformar em opressão física, prisão e talvez – espero não – a deportação.

Se olharmos o que Hitler fez com os judeus, segue-se o mesmo modelo. Os homossexuais tinham que ser identificados com um triângulo rosa. Eu temo muito por isso no Brasil. Eu me pergunto se ele (Bolsonaro) tiver uma política econômica que funcione, as pessoas estarão dispostas a fechar os olhos para o que ele faz com a comunidade LGBT. Isso é o mais temível. Espero pra ver.

Você teria mais alguma consideração a fazer, algo que eu não tenha perguntado?

Eu vejo que há uma grande fratura no Brasil. De um lado, as minorias, muitas. As mulheres, que são oprimidas por Bolsonaro, as populações negras, LGBT, indígenas , tudo que não é um homem branco é negativo. Me disseram que haveria uma resistência e eu espero que ela vire realidade. Há uma segunda coisa: o que eu temo também no Brasil é o aumento de atos antissemitas. A transferência de embaixada para Jerusalém associa muito os judeus a Bolsonaro. Então, todas essas comunidades que se sentem oprimidas por Bolsonaro, eu temo que elas vejam a cumplicidade dos judeus e eu temo que haja um aumento de atos antissemitas no pensamento das pessoas ou físicos, com assassinatos contra comunidades judias.

Como você disse, há judeus que são contra Bolsonaro e há judeus que são a favor de Bolsonaro. Eu não quero que os judeus sejam associados a Bolsonaro e que o resto do Brasil façam dos judeus seus inimigos. Isso é o que está acontecendo nos Estados Unidos, onde houve diversos atos antissemitas nesses últimos meses porque os judeus foram vistos como cúmplices de Trump, favoráveis a Trump. Houve um atentado contra uma sinagoga nos Estados Unidos. E foi a primeira vez que houve nos Estados Unidos algo assim. Houve um aumento do antissemitismo muito forte nos Estados Unidos e temo que haverá uma alta do antissemitismo no Brasil. Precisa-se estar atento.