“Eu dizia que não sabia quem ia morrer antes, ele ou Amy Winehouse”: o Roberto Alvim que Curitiba esqueceu

Atualizado em 9 de setembro de 2020 às 16:49
Roberto Alvim imita Goebbels no famoso discurso que lhe custou o cargo

PUBLICADO NO PLURAL

POR ROGERIO GALINDO

A passagem relâmpago de Roberto Alvim pelo governo Jair Bolsonaro, que culminou com o vídeo em que ele repete Joseph Goebbels, causou mal-estar entre os artistas de teatro do Brasil inteiro. Em Curitiba, onde Alvim criou toda uma história de proximidade com atores e diretores, o mal-estar foi duplo.

Desde que o dramaturgo apareceu com uma camiseta de Jair Bolsonaro, ainda antes do segundo turno, o clima esquentou. “Foi bem pesado. Num grupo, começaram a questionar todo mundo que tinha convivido e trabalhado com ele. Eu nunca respondi nem vou responder. Também não vou falar do Alvim agora pra bater em cachorro morto”, diz uma pessoa da classe artística que conviveu com o dramaturgo mas que, a essas alturas, prefere não se identificar.

Alvim chegou a Curitiba em 2009 por meio de um projeto do Sesi, o Núcleo de Dramaturgia. Durante vários anos colaborou dando aulas para diretores e atores locais. Depois, acabou assumindo a coordenação do projeto, que se estendeu até 2016. No projeto, também ajudou a coordenar uma mostra importante de teatro.

Na época, Alvim tinha fama de ser o novo gênio do teatro brasileiro, apresentado como possível sucessor da geração de José Celso Martinez Corrêa e Antunes Filho. “O talento dele é inegável, como diretor, como dramaturgo”, diz Marcos Damaceno, diretor premiado com o Shell de Dramaturgia no ano passado e primeiro coordenador do Núcleo de Dramaturgia.

Na cidade, passou a ser incensado por muitos. Suas aulas eram concorridas, e atraíam alguns dos principais nomes do teatro paranaense. Outros já de cara não gostavam dele, por diferentes motivos. O próprio Damaceno diz que o talento vinha mesclado com outras características complicadas, como mitomania e culto da personalidade. Um déficit de caráter, digamos.

Casado com a atriz Juliana Galdino, outra artista considerada de primeiro time mas que agora passou a ser anátema, Alvim se tornou adorado e odiado ao mesmo tempo. (Curiosamente, Anátema era o nome de uma das peças apresentadas por ele em Curitiba.)

Em 2017 e 18, com o fim do projeto do Sesi, Alvim se afastou da cidade e parecia que tudo tinha ficado para trás. Mas em junho do ano passado, ele reapareceu: se dizendo vítima de boicote por votar na direita, previa o fim da própria carreira. Ao saber do caso, Bolsonaro foi buscá-lo para a Funarte.

Lá, Alvim chamou Fernanda Montenegro de sórdida e acabou promovido. Virou secretário nacional de Cultura – uma espécie de ministro, só sem o título. E aí, com o episódio da citação a Goebbels, sua carreira parece de fato ter se encerrado.

Desde o segundo turno, porém, a coisa vinha se acirrando de novo. “Houve muita cobrança em cima de mim na época que ele foi para o lado negro da força, mas eu estava tão confuso quanto todo mundo”, diz um diretor que só aceitou falar com o Plural em off.

“Ele realmente não era essa pessoa que está aí hoje”, diz um diretor. “Ele era amigo do Vladimir Safatle, chamava o Marcelo Freixo de maior homem público do país. Foi ele que me apresentou para o Chico Buarque!”

Para alguns, Alvim sempre foi um sujeito de comportamento errático. “Eu brincava que nunca sabia quem ia morrer antes, se ele ou a Amy Winehouse. Mas a Amy morreu e ele está aí”, diz Damaceno, que não renega a antiga proximidade, embora, como todo mundo, se diga estupefato com a virada de Alvim.

“Um artista brilhante, um dos mais brilhantes que conheci, que se apagou pelos seus próprios problemas de caráter, desvarios de todo tipo, que se tornaram maiores que o artista”, diz.

A virada de fato ocorreu depois da saída de Curitiba, quando Alvim descobriu um câncer e passou a acreditar que foi salvo por Jesus. Uma empregada de sua casa orou por ele e, segundo Alvim, um milagre fez o tumor quase sumir. Em pouco tempo, ele tinha se tornado crente fervoroso e, mais adiante, discípulo de Olavo de Carvalho.

Os antigos admiradores evidentemente negam concordar com o novo Alvim. “Tem gente dizendo que se ele era fascista e a gente não percebeu, então todo mundo era fascista. Mas ele realmente não era assim”, diz um entrevistado.

Alguns preferem manter a distância. Nena Inoue, atriz vencedora do Shell no ano passado, contratou Alvim para dirigir uma peça, chamada Haikai. Hoje, prefere não comentar sobre o caso, e só diz que não teve nenhum problema com Alvim durante a temporada em que trabalharam juntos.

Outros buscam as mais diferentes explicações para o que aconteceu para uma mudança tão brusca. A vida desregrada poderia ter deixado sequelas, diz um. Ele está surtado, diz outro. Mas em resumo, ninguém reconhece no atual Alvim o sujeito que passou por Curitiba e que era cantado como o mais novo gênio do teatro nacional.