Eu fui uma coxinha juvenil. Por Queren Morrison

Atualizado em 9 de janeiro de 2017 às 17:08

coxinha

Publicado no Medium.

POR QUEREN MORRISON

 

Passei por uma experiência de ter sido coxinha por um tempo.Pura vontade de ver qual era a delxs, mas só pude realmente vivenciar e ter consciência disso depois de algum tempo.Incluiu também uma reavaliação,desconstrução e certo empoderamento.

“Fui uma garota coxinha”, talvez herança de uma formação política precária e de escolas públicas que não me deram a oportunidade de pensar e raciocinar sobre o que realmente se passava em minha volta e de acordo com a minha realidade.

Fui ter televisão somente aos 9 anos,não sei se isso foi bom ou ruim,mas de certa forma a informação não chegava ao meu lar. Jornais e revistas também eram raros.Vivíamos em nossa bolha, mesmo antes do Facebook.

Minha mãe terminou o colegial na transição do golpe de 64, mas não se lembra de muita coisa.Meu pai era excelente pedreiro e escrevia apenas o seu nome(escrevia muito bem,obrigada).Os dois vieram de realidades complicadas e o trabalho era mais importante do que a educação,afinal tinham contas pra pagar e uma família para cuidar.

O tempo passou e comecei a frequentar uma Torcida Organizada, e por influência de membros politizados comecei a frequentar palestras e plenárias do PT.Participei também de greves e passeatas sobre direitos sociais, culturais etc.

Comecei a ter uma visão diferente do mundo ao meu redor, comecei a questionar quase tudo e a todxs. Fiquei revoltada pela forma como o outro lado tratava o então famoso “povão”, termo inclusive usado como slogan pela nossa Fiel Torcida e a razão de nosso time existir.

Ao mesmo tempo em que eu me indignava eu também ficava intrigada com essa relação entre as classes sociais.Comecei a estudar um pouco de sociologia junto com a história do S.C.C.P, e vi que muitos torcedores adotavam um discurso e comportamento completamente contraditórios em relação a própria história do clube que torcíamos,e sobre a forma e razão que a Torcida foi fundada.

Até hoje certos comportamentos ainda existem, mas isso é conteúdo para outro textão.

Quis depois dessa indignação, querer saber por qual razão e como os “coxinhas” agiam. Sabe a parada do Grobo Repórter? Onde vivem, o que comem, como se multiplicam? Foi isso.

Aí comecei a construção da minha personagem.A pobre, filha de pais simples, garota que lutava para passar na faculdade(mas que era contra as cotas),garota parda/negra, mas que não se identificava com a própria pele e cultura ancestral e regional,mas que ao mesmo tempo, recebia tratamento diferente por não estar trabalhando no que queriam impor a mim, e por só encontrar uma certa paz assistindo aos jogos do Coringão.

Pronto, uma anti-heroína às avessas, se isso é possível rs.

Comecei então o meu “Coxinha Tour -Façam o que fazemos, mas bem longe de nós”. Segui à risca a cartilha. Falava mal do Bolsa Família,só pra ver a reação maldosa de certos “primos ricos”.Assistia aos vídeos de Olavo de Carvalho(não sei como não vomitava a cada assistida),via os Hangouts de Lobão,Roger e Danilo Gentili,e até chegava a provocar amigxs em falsas discussões no Facebook e botecos pela cidade(lei rouanet rendeu bastante.Sorry Mônica).

Falava mal da Tropicália e detestava a antropologia cultural.Vociferava contra Chico, Caetano e Gil.Condenava os “rolêzinhos”, mas por dentro achava dahora ver a molecada tomando conta, e a letra Chópis Centis dos Mamonas nunca fez tanto sentido.

Tive acesso ao sentimento de poder efêmero e maldoso,pelo simples fato de pisar nas pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades que eu.Meritocracia,julgamentos e preconceitos também fizeram parte do cardápio.Também sei como se unem,raciocinam e atacam as pessoas menos favorecidas.

Foi assustador em certos momentos.Presenciei cenas na sala de casa,onde um irmão rico “emergente” junto a sua esposa( rica de berço) zombavam de projetos sociais, de cotas, auxílios, zombavam da Presidenta e de sua aparência, jeito,etc…

Arquitetavam e achavam Aécio o salvador da pátria, o “namoradinho do Brasil”.Ironicamente esse título pega muito mal hoje em dia, não é mesmo Regininha?

Pura maldade social e mau caratismo.

Bolsonaretes,machistas,homofóbicos,essa laia toda ainda perpetua e ecoa por aí.Estarão nos livros de histórias e em retrospectivas no melhor estilo: Olhem como éramos imbecis!

Que alívio quando tirei o disfarce totalmente.Me dei conta de uma outra visão das coisas, e me dei conta que estou do lado certo.Estou correndo pelo justo,e pelas pessoas ao meu redor.

As oportunidades que tive por conta de Programas,Projetos culturais e sociais abriram ainda mais os meus olhos.As trocas de experiências,vivências e ajuda que recebi me enchem de alegria e esperança.Eu também quero isso para o pessoal da minha quebrada.

Quero poder retribuir socialmente,distribuir informações e aprendizado, e em retorno aprender coisas e situações novas.Um ciclo de amor,empatia e principalmente humanidade.


Adeus coxinhas! E tio, me “vê” aí um lanche grego e um suco, faz favor…