“Eu não quis vender segredos e não me arrependo”

Atualizado em 27 de julho de 2016 às 11:18

A carta aberta do ex-consultor de inteligência americano Edward Snowden.

Snowden
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Edward Joseph Snowden, o ex-consultor de inteligência americano, autor do vazamento de dados sobre o programa de grampos do governo dos EUA, emitiu uma declaração pública no Aeroporto de Moscou. Foi antes de seu encontro com organizações de direitos humanos. A carta foi publicada no site do Wikileaks.  

Olá. Meu nome é Ed Snowden. Há pouco mais de um mês, eu tinha família, uma casa no paraíso, e vivia com grande conforto. Eu também tinha a capacidade de, sem mandado algum, vasculhar, apreender e ler suas comunicações. A comunicação de qualquer um, a qualquer hora. Tal é o poder mudar o destino das pessoas.

Também é uma grave violação da lei. A 4ª e 5ª Emendas da Constituição do meu país, o Artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e diversos estatutos e tratados proibiram sistemas invasivos de vigilância em larga escala. Enquanto a constituição americana estabelece que esses programas são ilegais, meu governo argumenta que decisões judiciais secretas, que o mundo não está autorizado a ver, de algum modo legitimam um caso ilegal. Tais decisões simplesmente corrompem a mais básica noção de Justiça. O imoral não pode ser moralizado por meio de uma lei secreta.

Acredito no princípio declarado em Nuremberg em 1945: “Indivíduos têm deveres internacionais que transcendem as obrigações de obediência nacionais. Assim, cidadãos têm o dever de violar leis domésticas para impedir crimes contra a paz e a humanidade de acontecerem.”

Pensando nisso, fiz o que eu julgava certo e comecei uma campanha para corrigir este erro. Eu não queria enriquecer. Não quis vender segredos dos EUA. Não me aliei a nenhum governo estrangeiro para garantir minha segurança. Em vez disso, levei o que eu sabia para o público, de forma que aquilo que afeta todos nós possa ser discutido por nós todos à luz do dia, e pedi justiça ao mundo.

Essa decisão moral de contar ao público sobre a espionagem que atinge a todos nós foi custosa, mas era a coisa certa a se fazer e eu não me arrependo.

Desde então, o governo e os serviços de inteligência dos Estados Unidos da América têm tentado fazer de mim um exemplo, um alerta a todos que, como eu, podem fazer revelações. Fui transformado em um apátrida e caçado por meu ato de expressão política. O governo dos Estados Unidos me colocou em listas de pessoas proibidas de voar. Cobrou de Hong Kong que me devolvesse à margem das leis deles, em uma violação direta do princípio de não repulsão — a Lei das Nações. Ameaçou com sanções países que se levantassem pelos meus direitos humanos e o sistema de asilo da ONU. Tomou até mesmo a medida inédita de ordenar a aliados militares que pousassem à força o avião de um presidente latino-americano na busca por um refugiado político. Essas perigosas escaladas representam uma ameaça não apenas à dignidade da América Latina, mas aos direitos básicos compartilhados por cada pessoa, cada nação, de viver livre de perseguições, e de buscar asilo.

Mesmo diante de tal agressão historicamente desproporcional, países por todo o mundo ofereceram apoio e asilo. Essas nações, incluídas aí Rússia, Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador, têm minha gratidão e respeito por ser as primeiras a se levantar contra violações de direitos humanos levadas a cabo pelos poderosos, em vez dos desprovidos. Ao se recusar a aceitar os princípios deles diante das intimidações, eles ganharam o respeito do mundo. É minha intenção viajar a cada um desses países para cumprimentar pessoalmente sua população e seus líderes.

Anuncio hoje minha aceitação formal de todas as ofertas de asilo que me foram oferecidas, e todas as que me possam oferecer no futuro. Com a concessão de asilo do presidente Maduro, da Venezuela, por exemplo, minha condição de asilo é agora formal, e nenhum Estado tem base para limitar ou interferir em meu direito de desfrutar deste asilo. Como temos visto, porém, alguns governos na Europa Ocidental e de estados norte-americanos demonstraram disposição de agir fora da lei, e este comportamento continua ainda hoje. Essa ameaça ilegal torna impossível viajar à América Latina e desfrutar do asilo concedido lá de acordo com nossos direitos mútuos.

Essa disposição de agir extralegalmente por parte de estados poderosos representa uma ameaça a todos nós, e não deve ser permitida. Por isso, peço seu auxílio para solicitar garantias de passagem segura por parte das nações relevantes na minha viagem à América Latina, além de solicitar asilo na Rússia até lá, enquanto esses estados garantem que cumprirão a lei e minha viagem seja legalmente permitida. Vou submeter meu pedido hoje à Rússia, e espero que seja concedido.

Se vocês tiverem perguntas, vou responder o que puder.

Obrigado.