“Eu não vou embora, eu estou chegando”: o discurso de despedida de Mujica

Atualizado em 1 de março de 2015 às 9:12
Ele
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Um amigo adorava repetir uma blague ao cumprimentar alguém. “É um prazer ser seu contemporâneo”, dizia.

A frase se aplica, sem piada e sem cinismo, a José Mujica, que terminou seu mandato no Uruguai.

Saiu com uma “bagagem cheia de realizações e responsabilidades sobre os seus ombros”, como admitiu num discurso emocionante.

O ex-presidente “mais pobre do mundo” é o único líder republicano da vida real. Desde que assumiu o cargo em 2010, doou 90% do seu salário para um plano de habitação e continuou a viver em seu rancho nos arredores de Montevidéu com sua mulher, seu Fusca e sua inacreditável cadela de três patas.

Desprezou o palácio e recebia políticos e jornalistas em casa. “Eu não sou pobre. Pobres são os que precisam de muito para viver, estes são os verdadeiros pobres. Eu tenho o suficiente “, declarou.

Colocou seu país na vanguarda promovendo a legalização da maconha e do aborto.

Aos 79 anos, ele mesmo lamentou não ter conseguido fazer algumas obras de infra-estrutura de que gostaria. Não fez a reforma da educação, também. “Uma pessoa se torna presidente com uma cota de idealização e, em seguida, a realidade bate-lhe no focinho”, afirmou. A pobreza caiu para 11,5%  e o desemprego está em 6,6%.

Cunhou frases antológicas, deu um exemplo gigantesco de homem público, causou a inveja de quem não o tinha como compatriota, cativou com uma sinceridade desconcertante (Cristina Kirchner, a “velha”, e seu falecido marido Néstor, o “caolho”, sentiram o efeito na pele).

Uma pequena multidão o ouviu dar adeus na Praça de Independência.

“É hora de agradecer a honra que vocês me deram”, disse. Reviu sua trajetória, da  infância aos tempos de tupamaro. “Foram anos de estagnação, de utopia militante. Sofremos, causamos sofrimento e somos conscientes. Pagamos preços enormes. Depois de tanto trabalho, entendemos que a luta que você perde é a que você abandona”, afirmou.

“Querido povo, obrigado por seus abraços, por suas críticas, por seu carinho e, sobretudo, muito obrigado por seu profundo companheirismo a cada uma das vezes em que eu me senti sozinho em meio à presidência. Se eu tivesse duas vidas gastaria ambas para ajudar sua luta, porque esta é a forma mais grandiosa de amar a vida que pude encontrar ao longo dos meus quase 80 anos”.

E arrematou: “Eu não vou embora, eu estou chegando. Eu irei com o último suspiro e onde eu estiver, estarei lá por vocês”.

Prazer imenso ser seu contemporâneo.