“Eu quero seu apoio”: a ligação do Candidato para a Ex-Candidata (baseado em fatos reais)

Atualizado em 4 de novembro de 2014 às 12:48

aecio marina

 

Baseado em fatos reais.

Uma e meia da manhã. O Candidato olha para o celular. Tamborila o tampo de vidro da mesa ao lado com os dedos. A TV está no programa do Jô.  O iPhone é como um ímã. “Mas já é tão tarde…”, ele pensa.

Súbito, agarra o aparelho e tecla no nome que está na tela. A Ex-Candidata atende.

— Alô…

— Ex-Candidata! Prazer imenso. Tá boazinha? Te acordei?

— Não, imagina, eu tava esperando você telefonar. Tudo bem?

— Tudo graças a Deus. Deus é pai. E então, fia, vamos fechar aquele negócio?

— Ô, menino. Pois é. Vamos? Gostei da sua carta-compromisso.

— Ah, ficou ajeitadinha, né? Então. Todo mundo te esperando. O Estadão não fala de outra coisa, você viu. O Brasil precisa da mudança. Chega de roubalheira. O essencial é a mudança! Nosso projeto…

Ela o interrompe com candura, mas firmemente.

— Ei, ei! Sou eu aqui, Candidato! Não tem câmera, filho. Fica à vontade, rapaz.

— Haha… Bom, vamolá? Deus é mais. Bora me apoiar logo? Você prometeu que ia ser na segunda, depois desistiu…

— Prometi??  Você está insinuando que eu sou indecisa? É essa a velha política, eu sabia. É o individualismo que atomiza a força integradora. Vocês querem me desconstruiiir…

— Calma, calma, Ex-Candidata! Desculpa de novo. Respira. Comigo: inspira… expira… inspira… expira…

Passam-se trinta segundos de exercícios respiratórios. O Candidato retoma, a fala mansa:

— Olha, a coisa tá tensa. Não quero pressionar, mas, poxa vida, eu fiz tudo o que você pediu. Vamos acertar esse apoio? Como você quer fazer?

— Sim, sim. Então. Você mudou o que eu pedi no programa? Que que era mesmo… Walminho deixou aqui em algum lugar. Ah, tá: a coisa dos índios, reforma agrária, escola em tempo integral, passe livre e mais alguma coisa que não tô lembrando agora. Lembrei. Faltou você voltar atrás na redução da maioridade penal.

— Pois é, menina. Isso aí é um pouco complicado… O Atualpa. Olha, o Ataualpa, meu vice, ficou chateado. A proposta é dele, você sabe. Aí não vai dar não, viu? A gente já tá fazendo bastante flexão social, como diz o Walminho.

— Ah, mas se não fizer flexão eu não vou.

— Mas eu não posso mudar meu programa inteiro. Jesus amado. Com que cara eu fico? Parece que foi você quem passou pro segundo turno, mulher. Eu estou sendo pressionado. Pressionado, compreende?

— Você está insinuando que eu sou indecisa? É a velha política. Você quer me desconstruir. Eu devia saber que ia faltar a aeróbica da musculatura do acerto.

A Ex-Candidata desabafa por longos minutos. O Candidato finge que ouve e que entende o que ela diz. Realizam mais um exercício respiratório de relaxamento.

 

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— Mais tranquila? Vamolá?, pergunta o Candidato. Então. Olha. Eu fiz tudo o que você queria. Não é justo. Deixa a maioridade pra lá, poxa. Escuta. Eu não posso desfigurar meu projeto de governo. O que vão dizer? Deixa essa conversa de maioridade penal pra lá, pelo amor de Deus, mulher. Eu já fiz de tudo! De tudo!

O Candidato se levanta do sofá. Ele está com a camisa aberta no peito, para fora da calça, perdigotos voando da sua boca.

— De tudo! Compreende? Todo o mundo esperando você e nada. Uma hora vai, outra não vai. Eu não aguento. Eu… quero você comigo. Você não entende?

O Candidato tenta sugerir o exercício respiratório de relaxamento. Agora, sem sucesso. Ele está gritando no apartamento. O interfone toca, provavelmente por causa da reclamação de algum vizinho.

— Ex-Candidata, eu estou no meu limite! No meu limite!

Começa a chorar.

— Olha. O Malafaia tá com a gente! O Malafaia tá com a gente!

— Quem…?

— O Malafaia! O Malafaia, pelo amor de Deus!

Do outro lado da linha, silêncio. A Ex-Candidata desligou. O Candidato olha para o telefone, incrédulo. Pensa em telefonar novamente. Uma lágrima solitária escorre de seu olho esquerdo.

— O Malafaia, o Malafaia… — ele repete baixinho, para si mesmo, na madrugada. — Essa desgraçada. Eu sabia não podia confiar. O Careca estava certo. É uma picareta. Ela pensa que eu sou o quê? Eu tenho vergonha na cara. Pilantra, trambiqueira, metida, seringueira…

O telefone toca. É a Ex-Candidata. Ele atende.

— Ex-Candidata, que prazer descomunal. Vamo conversar?