“Eu sou homossexual, filho de uma merendeira, e não vão me intimidar”, diz ao DCM o reitor ameaçado por dar título de Doutor Honoris Causa a Lula

Atualizado em 13 de agosto de 2017 às 6:27
O reitor da Universidade Estadual de Alagoas Jairo José Campos da Costa

Às vésperas da caravana da cidadania onde o ex-presidente  percorrerá o Nordeste brasileiro, o reitor da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL, Jairo José Campos da Costa concedeu uma entrevista exclusiva ao DCM falando sobre a ameaça de morte que sofreu por estar entre uma das quatro universidades a entregarem o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente, o que levou a universidade a conceder tamanho título a Lula e temas relacionados ao atual momento da vida política, econômica e social do país.

Jairo é formado em Letras pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), Mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutorando em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

DCM – Reitor, o senhor veio a público denunciar uma ameaça de morte à sua pessoa caso concedesse o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula. Como, de fato, se deu essa ameaça?

Jairo – No dia 26 de julho eu estava trabalhando na reitoria. Saí para almoçar e ao retornar fui informado pela secretária-executiva que ela havia recebido um telefonema anônimo, com voz de homem, perguntando se eu estava.

Como não era o caso, essa pessoa perguntou se ela poderia me dar um recado – ela disse que sim – perguntou se haveria uma cerimônia para entrega de título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula –ela disse sim – ao que ele ameaçou: “pois diga a ele que se ele fizer isso, no outro dia ele é um homem-morto, um homem-morto, entendeu?”, repetiu e desligou o telefone. 

DCM – Quais medidas legais a universidade e o Estado estão tomando sobre o caso? Já existe alguma evidência que leve ao autor desse crime? Em função do ocorrido, o senhor encontra-se sob proteção policial?

Jairo – Assim que fui informado da ameaça, convoquei a equipe de assessores jurídicos e advogados da universidade e chegamos à conclusão de irmos à delegacia civil de Arapiraca prestar um Boletim de Ocorrência. Foi passado o número do telefone da reitoria para que pudesse ser feita a investigação da procedência dessa ligação, se de Alagoas ou fora do estado.

Logo em seguida eu comuniquei o fato ao governador Renan Filho, pedi uma audiência com o secretário de Segurança Pública, ele me recebeu, perguntou se eu queria segurança, respondi que não, mas deixou o aparato do Estado à minha disposição caso eu me sentisse ameaçado. Também se colocou à disposição em caso de reincidência. O caso foi transferido para o setor de crimes especializados nessa área.

DCM – O senhor atribui a ameaça de morte à sua pessoa “apenas” ao clima de ódio e intolerância política que hoje vivemos no país ou pode haver outras razões envolvidas no episódio?

Jairo – Veja, essa ameaça de morte não acontece por acaso. Não é apenas por esse clima de ódio instalado na política brasileira. O meu perfil crítico e combativo na defesa do meu campo de atuação, ou seja, o campo do trabalho, o campo de pessoas historicamente excluídas, direitos civis, a luta pela formação de índios, negros, camponeses, questões ligadas ao público LGBT, a cultura popular alagoana, a minha posição partidária ligada ao PC do B e as consequentes reflexões que eu faço nas minhas falas, tudo isso cria um clima desfavorável para pessoas preconceituosas que não gostam de negros, de índios, de homossexuais, que não querem vê-los na universidade, que acreditam que pobre tem que ser explorado no cultivo da monocultura da cana-de-açúcar.

Além disso, uma possível candidatura minha à Assembleia Legislativa de Alagoas gera uma disputa de território. Algumas pessoas se sentem ameaçadas por essa construção de espaço por alguém vindo dessas bases.

DCM – Quais argumentos foram levados em consideração para que fosse concedido, ainda em 2012, o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula?

Jairo – O processo foi aberto por um professor da universidade em 2011, logo após a sua saída da presidência. Nesse momento o Brasil sai do mapa internacional da fome, os indicadores sociais do Brasil tem uma ascensão nunca vista, a democratização da água e da luz atinge todas as casas dos brasileiros, para um estado pobre como o de Alagoas o impacto econômico gerado por programas sociais como o Bolsa Família foi gigantesco, os grandes economistas do estado inclusive reconhecem a importância dessas verbas para os pequenos municípios, a democratização do ensino onde a população mais pobre passou a ter acesso às universidades, o sentimento naquele momento compartilhado por todas as instituições de ensino superior sobre o quanto fomos valorizados em contrapartida a todo aquele discurso de privatização e sucateamento da educação pública do governo FHC, tudo isso serviu de argumentos e elementos para a concessão do título ao ex-presidente Lula, tanto que foi aprovado pelo Conselho Universitário da UNEAL por unanimidade.

Esse título não é exclusividade nossa, para que se tenha ideia, só nessa passagem de Lula pelo Nordeste, outras três universidades também concederão o Doutor Honoris Causa ao ex-presidente, são elas a Federal do Recôncavo Baiano, Federal de Sergipe e Federal do Piauí. 

DCM – Já existe uma data marcada para a cerimônia? O ex-presidente Lula confirmou sua presença?

Jairo – A cerimônia está marcada para o dia 23 de agosto às 8h no ginásio de esportes João Paulo Segundo, parque Ceci Cunha, Arapiraca – AL. Está confirmada a presença do ex-presidente Lula.

DCM – O Brasil passa nesse momento por uma grave ruptura do seu processo democrático. No âmbito acadêmico, existe alguma atividade em curso por parte da UNEAL para um sério debate da conjuntura política, econômica e social do país?

Jairo – Existem vários eventos acadêmicos pensados pelos diferentes departamentos da universidade discutindo o golpe, a lei da terceirização, a reforma da previdência, a reforma do ensino médio e o ataque às licenciaturas em história, sociologia,  filosofia, artes e línguas.

Além disso, existe aqui na universidade uma militância política muito cumpliciada com os estudantes, com o sindicato e com a sociedade. Estamos juntos observando com muita preocupação a crise nas universidades estaduais e federais no país, como a UERJ, as universidades paulistas e paranaenses que estão sendo sucateadas.

A nível nacional, a educação de ensino superior está perdendo, de forma generalizada, todos os avanços que conquistamos na última década.

Então, não só aqui na UNEAL, mas em todo o país, está havendo uma luta muito forte para garantirmos o artigo 207 da Constituição que garante a soberania irrestrita das universidades brasileiras.

DCM – Como reitor de uma instituição pública de ensino superior, o senhor tem proposto medidas a serem adotadas pela universidade e pela sociedade em geral para a inclusão social e a democratização do ensino público no estado?

Jairo – Como reitor de uma universidade pertencente a um estado economicamente mais pobre com indicadores sociais que precisam ser melhorados, não poderíamos nos contentar só com o trivial nos 34 cursos dos seis campi espalhados pelo estado, até porque Alagoas possui uma das piores taxas de acesso à universidade do país.

Durante esses sete anos que estou à frente da UNEAL (estamos concluindo o segundo mandato) nós trabalhamos muito para a democratização do ensino superior para os cidadãos alagoanos, sobretudo para segmentos da sociedade historicamente excluídos.

Como exemplo, tivemos a honra de formar a primeira turma de professores indígenas do estado, foram 80 professores formados das 12 etnias existentes por aqui. Também formamos vários professores do campo disseminando a educação onde jamais houve antes.

Efetuamos um trabalho gigantesco com o povo negro e de religiões de matrizes africanas como o Candomblé. Profissionalizamos grupos culturais para participarem de projetos nacionais em prol da criança.

Todos essas atividades que temos desenvolvido aqui na UNEAL, criou um sentimento muito forte de pertencimento do saber para pessoas que jamais tiveram acesso à universidade.

Estamos muito felizes com os resultados e com o reconhecimento que tudo isso trouxe para a nossa instituição, sobretudo por parte da sociedade. 

DCM – O estado de Alagoas é atualmente governado por Renan Filho (PMDB). Na sua opinião, como anda a administração do governador em relação à educação pública estadual?

Jairo – O governador Renan Filho tem sido sensível às questões da universidade. Ele é o governador mais jovem do Brasil, tem naturalmente as suas pretensões políticas no seu campo partidário, então acho que compreendeu a história de luta que a universidade sempre teve, intensificada inclusive com a nossa chegada à reitoria, uma vez que saímos de um debate muito pesado com o mandato de Teotônio Vilela Filho onde tivemos muita dificuldade, ele como governador e eu como reitor.

Então imagino que o governador Renan Filho fez uma leitura de que era melhor ter a UNEAL dialogando com mais facilidade com ele ao invés de enfrentar uma instituição com um perfil críticomuito combativo, de lutas, de greves, de eventos, de rua, trazendo a opinião pública a nosso favor. Ele entendeu todas essas questões e sabe que o desenvolvimento do estado passa por essa instituição.

Associado à minha postura crítica, acredito que teve por parte dele todo um cuidado no trato comigo,inclusive de encaminhar questões importantes para a universidade como a realização de concurso público, aumento de custeio, acesso a políticas de estado e fundo de combate à pobreza.

DCM – Sei que desde os tempos de faculdade você se envolve com projetos culturais e militância política. Além de suas responsabilidades como Reitor, ainda exerce algum papel sócio-político-cultural?

Jairo – Essa pergunta é legal (risos). Eu integro o grupo de intelectuais desse país que entende que a arte cumpre um papel extraordinário no processo de formação humanística no melhoramento das pessoas. Eu não tenho dúvidas sobre isso.

Minha formação é toda no campo das letras e das artes, então eu tenho um trabalho muito forte com o hibridismo cultural nas suas mais diferentes formas, tudo aplicado à área da cultura popular.

Então eu tenho desenvolvido um trabalho de pesquisa e resgate da cultura popular em todo o país e tenho difundido esse trabalho riquíssimo feito por artistas populares nos mais remotos cantos do país e divulgado das mais diferentes formas no Brasil e no exterior.

Entre outros projetos de revistas, catálogos e documentários, criei, aqui na universidade, dois museus de arte popular e está sendo criado mais um especializado em criações de barro na comunidade quilombola de Muquém, em Palmares (cidade de Zumbi dos Palmares).

Temos, de uma forma geral, direcionado a universidade para que o tema da cultura seja o nosso grande tema transversal e buscamos, minimamente, pagar a enorme dívida que a sociedade brasileira contraiu com os negros, índios e artistas populares.

DCM – Por fim, qual mensagem o senhor deixaria para àqueles que tentam lhe intimidar no exercício de suas funções e na sua defesa pela democracia e pela educação pública de qualidade?

Jairo – A mensagem que eu deixaria para os que quiseram me intimidar no exercício de minha função pública, como professor universitário e como reitor, é de que eu reconheço que não é fácil para essa elite conservadora brasileira reconhecer no espaço que eu ocupo hoje uma personalidade com as minhas singularidades.

Eu sou homossexual assumido, eu sou filho de um agricultor e de uma merendeira do estado, eu estudei em escola pública e eu comi o pão que o diabo amassou para poder ocupar o meu espaço, para garantir a minha formação.

Antes de tudo é preciso dizer que a universidade pública me fez muito bem. Não sei o que seria de mim sem a universidade pública e eu tento, por isso mesmo, com muito trabalho, com muito compromisso social, devolver ao povo brasileiro a formação que eu tive, toda ela em instituições públicas.

Por onde eu passar, seja em qual função pública a vida me oportunizar, eu vou estar sempre a serviço do pobre, do pequeno, dos discriminados, das pessoas que foram ou são vítimas de exclusão, de preconceito e de falta de oportunidades.

Eu entendo que o conhecimento é uma coisa extraordinária na vida de qualquer pessoa, que a universidade pública cumpre um papel extraordinário do ponto de vista da problematização das coisas, da criação de homens e mulheres comprometidos, capazes de se inquietar com a barbárie, com o preconceito e me sinto muito feliz de poder participar dessa construção de um país menos desigual, mais humano.

Então, eu queria dizer aos que quiseram me intimidar, que eu não vou me intimidar. Eu não tenho esse perfil de ter medo. Eu vou até o último dia da minha vida, seguir o caminho daquilo que acredito: o campo da esquerda, o campo do pequeno, o campo do trabalho, contra o grande capital que quer, em última análise, uniformizar, que quer aniquilar.