Eu vi Ciro Gomes no túmulo de Getúlio e ouvi o grito: “É o enterro do trabalhismo”. Por Moisés Mendes

Atualizado em 14 de setembro de 2019 às 12:28

PUBLICADO NO BLOG DE MOISÉS MENDES

POR MOISÉS MENDES

Esta foto de Eduardo Knapp, da Folha, é de 24 de agosto de 2002. Brizola, Ciro Gomes e Antônio Britto estão diante do túmulo de Getúlio Vargas, no Cemitério Jardim da Paz, em São Borja.

Se a foto fosse um pouquinho mais aberta, poderia mostrar o homem que surge do lado esquerdo (perto de Brizola) e grita, enquanto Brizola discursava:

– É o enterro do trabalhismo.

Foi uma cena paralisante. Só uma pessoa se mexeu. O deputado Pompeo de Mattos, que está de lenço, bem atrás de Brizola, gritou alguma coisa e saiu atrás do homem. O mensageiro do fim do trabalhismo disparou e sumiu entre os túmulos.

Eu estava lá como repórter e vi a cena daquele sábado pela manhã, no dia do aniversário do suicídio de Getúlio. Ciro Gomes era o candidato do PPS à presidência. Britto, do mesmo partido, concorria ao governo do Estado.

Também estavam lá Paulinho da Força, vice de Ciro pelo PTB, o deputado Roberto Jefferson, presidente do partido, e gente que Brizola atraiu para sua última tentativa de aliança com a direita.

Ciro Gomes estava estreando como “homem de esquerda”, sempre tendo ao lado a mulher dele, Patrícia Pillar. A caravana passou por São Borja, Itaqui e Uruguaiana.

Muitos não entendiam aquele ajuntamento em volta de Brizola. Me lembro de um bêbado gritando no comício em Uruguaiana:

– É tudo corrupto.

Um brigadiano tirava o bêbado, e o bêbado voltava. O que mais guardo daquele dia é que de repente, na visita a uma granja de criação de porcos em Itaqui, eu vi Brizola velhinho.

Tentei, muitos anos depois, entrevistar o homem que decretou o enterro do trabalhismo. É conhecido em São Borja. Ele preferiu ficar quieto, enquanto outros continuaram falando o que a maioria não queria ouvir.

Naquela eleição vencida por Lula, Ciro ficou em quarto lugar no primeiro turno, com 11,7% dos votos, atrás de Lula, Serra e Garotinho. Germano Rigotto venceu no Estado.

Brizola morreu quase dois anos depois, no dia 21 de junho de 2004, com 82 anos. E Ciro Gomes está aí. Tem gente que ainda acha que ele é trabalhista e até brizolista e getulista.

Ciro Gomes talvez seja o melhor exemplar brasileiro hoje daquelas figuras camaleônicas. Não se sabe direito o que elas possam ser, mas se sabe com certeza o que elas não são.