EUA continuam no Iraque pelo petróleo e pela hegemonia territorial. Por Igor Carvalho

Atualizado em 11 de janeiro de 2020 às 16:29
Presidente dos EUA, Donald Trump, durante discurso na Casa Branca Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP/12-12/-2019

Publicado originalmente pelo Brasil de fato:

POR IGOR CARVALHO

A ação dos Estados Unidos que culminou no assassinato do alto general iraniano Qassim Soleimani, em 3 de janeiro, pode guardar relações mais profundas com temas políticos e questões internos estadunidenses do que apenas uma ambição por petróleo na região. Essa é a conclusão de especialistas escutados pelo Brasil de Fato.

“O determinante e prioritário dessa ação militar está mais relacionado à dinâmica interna da política americana, ao processo de impeachment de [Donald] Trump e, fundamentalmente, às eleições deste ano, do que à exploração e produção de petróleo”, afirma William Nozaki, cientista político e diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo e Gás e Biocombustíveis (Ineep).

Ainda de acordo com Nozaki, “é uma clássica movimentação militar para finalidade de hegemonia territorial e disputa econômica, mais do que pela busca do recurso”. A opinião do diretor do Ineep encontra eco nos argumentos do professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vinícius Rodrigues Vieira.

“Eu não vejo nos atos de Trump uma preocupação imediata com o petróleo, acho que é uma leitura antiga, mas acho que há mais nuances aí. Hoje, os EUA dependem muito menos do petróleo do Golfo Pérsico. Se, no passado, a disputa entre os EUA e o Irã era muito associada ao petróleo, hoje esse tema é insignificante. É mais impulsionada por uma questão de status, os EUA nunca engoliram o episódio da embaixada americana no Irã em 1979 e, talvez, um medo de que o mesmo pudesse se repetir em Bagdá tenha influenciado essa medida contra Soleimani”, avalia Vieira.

Em 1979, estudantes iranianos invadiram a embaixada estadunidense em Teerã e fizeram 52 reféns, exigindo a soltura do Xá Reza Pahlevi, que estava preso em território estadunidense.

Apesar do anúncio feito pelo Irã, em novembro de 2019, da descoberta de um novo campo de petróleo no sul do país, com capacidade de extração de 50 milhões de barris de óleo bruto, Nozaki lembra que os norte-americanos são autossuficientes no combustível e podem não ter interesse imediato no recurso iraniano.

“Sem dúvida, o petróleo ainda influencia a geopolítica mundial e justifica muitas movimentações. Porém, em relação ao Irã, os EUA têm interesses mais territoriais, já que possui uma reserva de petróleo de ao menos 20 anos”, explica o diretor do Ineep.

Já Vieira aponta um fator geográfico que pode influenciar os próximos passos do imbróglio. Ainda que o petróleo seja cada vez menos importante e a Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] tenha perdido poder, cerca de 20% a 30% do petróleo mundial passa pelo Estreito de Ormuz. Considerando os compradores de petróleo do Irã, em grande parte China e Índia, esse petróleo abastece a atual máquina da manufatura e da indústria do mundo. Então, você pode prejudicar o desenvolvimento da Ásia.”

Estreito de Ormuz

Ligação entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã, o Estreito de Ormuz é a única ligação da região com os oceanos. Toda mercadoria que chega por vias marítimas passa pelo local, que é controlado pelo Irã, mas vigado de perto pelos estadunidenses e vizinhos do país persa, como os Emirados Árabes.

Em julho de 2019, os iranianos provocaram um navio de assalto anfíbio da Marinha norte-americana, que estava no estreito, com um drone que se aproximou da embarcação e foi derrubado. Os EUA protestaram e exigiram que a Guarda Revolucionária Iraniana (GRI), que era comandada por Soleimani, liberasse o navio petroleiro Riah, com bandeira do Panamá. Terã acusava os panamenhos de contrabandearem petróleo na região.

Nozaki lembra que “o Irã tem o controle prioritário do Estreito de Ormuz, por onde circula uma parte significativa do petróleo que vai para parte da Europa e para a Ásia. Portanto, o ataque tem uma dinâmica muito mais de reorganização dos espaços geográficos e serve, também, para enviar recados ao Irã.”

Por diversas vezes, principalmente quando deseja protestar contra embargos impostos pelos Estados Unidos, os iranianos ameaçam fechar o Estreito de Ormuz, o que inviabilizaria o comércio e a logística local, prejudicando diversos países da região e, inclusive, interesses norte-americanos no Oriente Médio.

Preocupada com a tensão entre EUA e Irã, a Petrobras anunciou, na última quarta-feira (8), que seus navios deixarão de passar pelo local. “A companhia avaliou o referido cenário e, em conjunto com a Marinha do Brasil, decidiu por evitar, no momento, o trânsito pelo Estreito de Hormuz”, divulgou em nota.

Sanções

Nesta sexta-feira (10), os EUA anunciaram novas sanções econômicas ao Irã, que atingirão oito integrantes do governo iraniano, além de empresas de mineração e metalurgia, produtores de aço, ferro e cobre.

O Secretário do Tesouro estadunidense, Steven Mnuchim, também divulgou sanções para duas empresas de origem chinesa que negociam com o governo iraniano, além de uma empresa de fachada com sede nas ilhas Seychelles.

“Essas sanções vão continuar até que o regime iraniano pare de financiar o terrorismo global e se comprometa a nunca ter armas nucleares”, explicou Mnuchim. “O prejuízo será de bilhões de dólares”, anunciou.