
A cobertura do Brasil na mídia europeia virou o diário de uma tragédia, anunciada, de um país onde as crises provocadas pelo governo federal se sucedem, se confundem e se amplificam. Para o prejuízo da vida. Para o prejuízo do mundo.
A imprensa insiste sobre um ponto: o de que o Brasil, segundo país com maior número de casos oficiais da Covid-19, é governado por um presidente que nega a gravidade do problema e vai ao encontro de multidões, apertar suas mãos, com ou sem máscara.
De jornais da esquerda à direita, Jair Bolsonaro aparece como um presidente que destrói um país.
É o que se lê no conservador The Telegraph, “entre a implosão política e um vírus fora de controle, Bolsonaro enfrenta o risco de se tornar o homem que quebrou o Brasil”. A imagem de uma criança transferida de um avião por socorristas em plena Amazônia.

“O homem que quase morreu dois anos atrás depois de ser esfaqueado num comício, deu um sorriso tolo ao dizer-se imune a qualquer sintoma severo de doença graças ao seu ‘passado de atleta”, ironiza o jornal britânico.
“Dois meses e 340.000 casos oficiais depois, a gripezinha matou pelo menos 20.000 brasileiros e provavelmente muito mais”, afirma a publicação.
“A estratégia Covid-19 de Bolsonaro não tem precedentes no mundo. Enquanto outros líderes globais minimizaram decisões a gravidade do vírus e tomaram más decisões, o presidente do Brasil minimizou duplamente a mensagem da negação, enquanto até Trump começou a apoiar medidas de confinamento”, observa.
Obsessão, ciúme e vingança, são as palavras que descrevem as atitudes de Bolsonaro, segundo os relatos ouvidos pelo periódico. “O testamento de uma gestão desastrosa da pandemia”, diz o jornal.
Na visão do Le Parisien, o presidente do Brasil não é um homem que governa, mas que “faz show e tira sua máscara para um banho de multidão”. No conservador Le Figaro, Bolsonaro é “um presidente que ameaça e injúria, fulmina, dispara palavrões, repreensões a ministros, uma tempestade contra opositores reais ou imaginários”, numa referência ao vídeo da reunião ministerial, “estarrecedor”, segundo o Ouest-France.

O Brasil de Bolsonaro é o de um presidente que destrói um legado, diz o cientista político Gaspard Estrada no Le Monde. Um país que em dez anos passou do sonho à distopia.
“É chocante constatar que uma década atras este país parecia viver um sonho: a economia funcionava a pleno vapor, a pobreza diminuiu, assim como as desigualdades. Considerado na época como o ‘campeão dos emergentes’ graças ao tríptico democracia-crescimento-previsibilidade, o Brasil parecia mesmo destinado a ocupar um lugar central nos assuntos globais”, diz Gaspard, em entrevista.
“Depois o sonho se tornou pesadelo. Os consensos políticos, econômicos e sociais se esfacelaram. Se a destituição, ao final de 1992, de Fernando Collor de Mello unificou o país em torno das conquistas democráticas, a de Dilma Rousseff, em 2016, colocou à prova a democracia brasileira”, contrasta.
O consenso entre diplomatas brasileiros, observa, é que o país virou uma “diplomacia da vergonha”. “Na distopia brasileira de hoje, é possível militante bolsonarista enrolado na bandeira de Israel fazer a saudação nazista”.
A gestão de Bolsonaro virou tema de enquete do jornal espanhol La Vanguardia, o principal de Barcelona. À pergunta “você aprova a política de Bolsonaro frente à Covid-19?”, 93% das mais de 40.000 respostas foi “não”.
Nos últimos dias, o jornal da TV franco-alemã Arte disse que “Bolsonaro deve estar feliz com a indústria de caixões que segue a pleno vapor”.

Muitos na Europa acreditavam nas instituições brasileiras e descobrem da maneira mais assustadora que era uma ilusão. Ninguém para Jair Bolsonaro, que transforma o lugar do Brasil no imaginário europeu (e certamente mundial) num covil.
Não se trata de uma abstração. O crime que a Europa vê pelos jornais e pela TV tem consequências muito concretas. O homem que encarna os desejos e sentimentos mais primitivos do inconsciente humano está matando os brasileiros com as próprias mãos. E por mais paradoxal que possa parecer, ele fabrica as provas do próprio crime e as exibe pelo mundo.
O ocaso de um país assistido pelo mundo não é alheio aos pedidos de socorro às instituições internacionais.
A contribuição que Jair Bolsonaro dá ao Brasil e o mundo é mostrar como o genocídio se transforma em crime contra a humanidade: eliminando uma parte da população durante uma pandemia. Um país que deliberadamente comete um desastre sanitário de alta contagiosidade assume o risco de destruir a humanidade inteira.
O erro dos analistas é acreditar que Jair Bolsonaro jogou o Brasil na periferia do planeta. Na verdade, ele o transformou num país decisivo para o presente e o futuro da humanidade.
