Destaques

Evaristo Costa, a Globo e a reforma trabalhista: tudo a ver. Por Joaquim de Carvalho

Evaristo Costa e a foto que publicou no facebook depois que saiu da Globo: “‘Cara’ de quem sacou o FGTS, só q não”. Não mesmo. Como PJ, ele tinha esse direito.

A noticia de que o jornalista Evaristo Costa, ex-apresentador do Jornal Hoje, consultou advogados para estudar a possibilidade de acionar a Globo na Justiça pode ser o primeiro grande teste da nova legislação, que alterou profundamente as relações de trabalho no Brasil.

Depois do golpe, a lei da terceirização foi alterada, com a possibilidade de contratação irrestrita de empresas terceirizadas, inclusive para atividades que são a essência da empresa contratante. Com a reforma concluída, direitos também foram alterados.

Na década de 90, o ator Cláudio Cavalcanti, um dos Irmãos Coragem, processou TV Globo na justiça trabalhista. Ele tinha trabalhado na emissora durante quase trinta anos e foi demitido sem receber pelos seus direitos.

Ele era empregado da Globo, mas recebia mediante apresentação de nota fiscal.

A empresa de Cláudio Cavalcanti só existia para que pudesse emitir nota fiscal para a emissora. Não podia prestar serviços para nenhuma outra empresa de televisão e tinha que se submeter a horários e ordens de chefia.

Era, portanto, empregado, e o contrato de pessoas jurídica, uma fraude, que prejudicava não só a ele, mas o país, já que, mantendo o empregado com contrato fictício de pessoa jurídica, a Globo pagava bem menos impostos.

Cláudio foi um dos primeiros ex-colaboradores da Globo a ter reconhecido o vínculo de trabalho com a emissora e, por conta do seu processo na justiça trabalhista, foi aberta uma ação civil pública que deu dor de cabeça para a Globo, que comprovou a prática generalizada de burla à legislação com os contratos de PJ.

Se a lei não a favorece, o que faz a Globo? Cumpre a lei? Não, ela muda a lei. Fez isso na questão da comissão das agências de publicidade, o chamado BV (Bonificação por Volume, sinônimo de propina), e fez isso também em relação à legislação trabalhista.

Desde processo de Cláudio Cavalcanti, a emissora promoveu uma intensa campanha para alterar a legislação e regularizar sua prática. Para isso, usou a sua arma mais poderosa, o departamento de jornalismo.

No início dos anos 2000, já no governo Lula, exibiu uma série de reportagens no Jornal Nacional para tentar convencer a sociedade de que a mudança na legislação, com uma terceirização mais ampla, poderia gerar mais empregos.

Uma das fontes da reportagem era o escritório de advocacia Robortella, de São Paulo, e ela omitia do público que esta era a banca de advogados que a defendia nas ações trabalhistas movidas por ex-empregados.

Os pontos principais contidos na nova lei de terceirização eram justamente os defendidos pelos advogados trabalhistas da Globo. Não é mera coincidência.

O projeto da terceirização recém provado pelo Congresso Nacional é antigo, de 1998, apresentado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso —na mesma época em que a Globo teve que indenizar Cláudio Cavalcanti.

Nos quatro últimos anos de Fernando Henrique Cardoso e durante todo governo Lula e Dilma, a Globo não conseguiu alterar a lei.

O projeto ficou adormecido no Congresso até que Eduardo Cunha assumiu a presidência da Câmara, em 2015, e tirou a proposta da gaveta, no momento em que o governo de Dilma já estava muito enfraquecido.

No governo Temer, já com Cunha afastado da presidência, a tramitação foi concluída e o projeto aprovado.

Parênteses: a mulher de Cunha, Cláudia Cruz, ex-apresentadora do Jornal Hoje, foi uma das ex-funcionárias que, se sentindo lesada com o contrato de pessoa jurídica, processou a Globo, e foi indenizada.

Evaristo Costa assumiu a bancada do JH alguns anos depois da saída de Cláudia Cruz, com o mesmo modelo de contrato de Cláudia Cruz.

Ele também era pessoa jurídica, e também se submetia a um regime severo na relação com os prepostos dos patrões. Quando saiu da emissora, sua mulher publicou na rede social o desabafo de que cessava ali “o inferno”.

Numa época em que uma publicação da Abril apurava  e divulgava quais eram as melhores empresas para trabalhar no Brasil, a Globo foi avaliada e não passou no teste: os funcionários não a consideravam um bom lugar para trabalhar, porque, além de burlar a legislação, não oferecia um bom ambiente de trabalho, com recompensas que nem sempre atendiam ao critério de mérito.

Mas, como tem audiência muito acima da média e uma fatia de mercado incomum num regime que, em tese, é de livre comércio, muitos querem trabalhar lá para que possam crescer profissionalmente.

“Com a liderança que tem, a Globo não precisa dar incentivo para segurar o funcionário. O subtexto é que trabalhar lá já um benefício”, disse à época um head hunter, especialista na contratação de quadros para grandes empresas.

Evaristo trabalhou a maior parte do tempo sob a vigência da lei trabalhista anterior e, portanto, tem tudo para conquistar as indenizações decorrentes dos direitos agora suprimidos — é princípio básico do direito que a lei não retroage para prejudicar. Os que entram agora é que ficarão sem os mesmos direitos.

O problema de Evaristo será encontrar colocação depois, já que o exemplo da Gobo foi seguido por todas as emissoras de TV, e a prática de fraudar a lei sob o disfarce do contrato fictício de pessoa jurídica foi usada em larga escala.

Depois que processou a Globo, Cláudio Cavalcanti não conseguiu mais emprego na TV aberta e foi para a política — candidatou-se a vereador no Rio de Janeiro e teve sucesso, com uma mensagem de defesa e proteção dos animais. Faleceu em 2013, aos 73 anos de idade, quando era titular da secretaria especial de Promoção e Defesa dos Animais da cidade do Rio de Janeiro. Aos amigos, dizia que não tinha arrependimento algum por processar a Globo.

Cláudio Cavalcanti, no papel de irmão Coragem: coragem ele teve mesmo quando processou a Globo e levou a emissora a um intenso lobby para mudar a legislação.

.x.x.x.x.

O argumento de que os encargos trabalhistas no Brasil eram elevados demais é uma falácia. Fernando Henrique Cardoso, o pai do projeto da terceirização ampla, reproduziu em seu Diários da Presidência um diálogo com os presidentes de montadoras sobre o custo da mão de obra no Brasil. Eles disseram que eram menores do que em outros países. Na mesma época, a Anfavea, que reúne os fabricantes de automóveis, publicou um estudo que comparava esse custo: no Brasil, a folha de pagamento não passava de 60% do total gasto com trabalhadores na Europa.

Joaquim de Carvalho

Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

Disqus Comments Loading...
Share
Published by
Joaquim de Carvalho

Recent Posts

Oposição quer levar caso da Sabesp ao STF após Justiça manter votação em SP

Os partidos de oposição planejam apresentar uma ADI ao STF após o Tribunal de Justiça…

8 minutos ago

Sumido, Mourão reaparece para sugerir GLO Eduardo Leite

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) disse que conversou com o governador do Rio Grande do…

16 minutos ago

“Vai acontecer com frequência”, diz Carlos Nobre sobre crises climáticas como do RS

Em entrevista concedida ao DW Brasil, o climatologista Carlos Nobre, cuja carreira foi construída no…

43 minutos ago

A arapuca que direita gaúcha gostaria de armar para Lula. Por Moisés Mendes

Publicado originalmente no "Blog do Moisés Mendes" É romântica, altruísta e algumas vezes oportunista a…

44 minutos ago

Leite já discutiu com jornalista da Globo ao ser cobrado por crise climática no RS

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), já discutiu com o jornalista…

1 hora ago

Eduardo Leite pede doações ao RS e indica chave pix de “sindicato dos bancos”

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disse que as doações em…

2 horas ago