Ex-ministros da Justiça pedem que Lula recrie Ministério da Segurança após massacre no Rio

Atualizado em 6 de novembro de 2025 às 12:06
O presidente Lula (PT). Foto: Reprodução

Cinco ex-ministros da Justiça enviaram uma carta aberta ao presidente Lula (PT) pedindo que ele “assuma o comando, pessoal e diretamente” das ações de segurança pública após a operação nos complexos da Penha e do Alemão — a mais letal da história do país envolvendo forças policiais, com 121 mortos.

Eles defendem que o presidente petista coordene a resposta federal à crise e recrie o Ministério da Segurança Pública, conforme informações da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.

O grupo, formado por Aloysio Nunes Ferreira, José Carlos Dias, Miguel Reale Jr., Nelson Jobim (que serviram no governo Fernando Henrique Cardoso) e Tarso Genro (ex-ministro de Lula), propõe que o presidente crie “uma Secretaria Especial da Presidência da República”, com “prerrogativas ministeriais”, para liderar a reconstrução da política de segurança no país.

Segundo Tarso Genro, essa secretaria poderia seguir o modelo da estrutura emergencial criada no Rio Grande do Sul durante as enchentes de 2024, coordenando programas e ações de diferentes ministérios.

“O objetivo de tal Secretaria seria coordenar, com a sua autoridade [de Lula], todas as instâncias de polícia, de inteligência, de informações e de competência operacional da União, para ajudar a debelar a crise do Rio”, diz o texto.

Os ex-ministros afirmam ainda que a nova estrutura poderia “iniciar a formatação institucional do Ministério da Segurança Pública”, proposta já prevista no programa de governo de Lula.

Corpos de mortos recolhidos em matas por moradores são alinhados em rua da Penha. Foto: Ricardo Moraes

Críticas à chacina de Cláudio Castro

Na carta, o grupo critica duramente a chacina promovida pelo governador Cláudio Castro (PL). “Mal preparada e mal explicada, foi realizada uma operação de guerra, colocando as estruturas de polícia do Estado do Rio de Janeiro em confronto com a totalidade da população ali residente, e não somente com os grupos de faccionados”, afirmam.

Os ex-ministros condenam a política de confronto: “Chegou-se, com esta política de guerra, a um novo limite de enfrentamento armado e de perdas de vidas. Muitas das pessoas que foram abatidas não têm antecedentes criminais e, quanto às que tinham, não se tem clareza sobre as circunstâncias em que foram mortas.”

Apoio a Lewandowski

O documento elogia o trabalho do ministro Ricardo Lewandowski, à frente da Justiça e Segurança Pública, e critica o governo do Rio por não requisitar apoio federal.

“Por razões ainda insondáveis, o apoio oferecido pela pasta não tem sido requisitado pelo governo do Rio, que resolveu agir de forma isolada, provocando uma catástrofe de dimensões históricas e consequências negativas para a República e a democracia em nosso país”, afirmam.

Personalidades apoiam a carta

Além dos ex-ministros, o texto é endossado por José Dirceu, Lenio Streck, Luiz Eduardo Soares, Benedito Mariano, Nélio Machado, Oscar Vilhena, Técio Lins e Silva e Vicente Trevas.

O grupo afirma que a atual política de incursões policiais “tem resultado no reforço dos poderes paralelos instaurados nas regiões, que sempre se alimentam da violência para exaltar e propagar o seu poder”.

Leia, abaixo, a íntegra da carta:

“Exmo. sr. presidente da República Luís Inácio Lula da Silva

Os signatários reunidos nesta Carta, atentos aos dramáticos eventos relacionados com a Segurança Pública no Rio de Janeiro, bem como considerando as importantes manifestações de Vossa Excelência, chamando para si a condução institucional da crise ali desatada, vêm lhe apresentar uma sugestão concreta e colaborativa, no debate sobre o tema que já está em curso em todo o país.

Estamos remetendo a Vossa Excelência a presente “Carta Aberta”, que, após o envio, será tornada pública. Ela traduz uma preocupação com a estabilidade do país e com a firme sustentabilidade institucional do seu Governo, face aos desdobramentos da operação de alta letalidade procedida pelas forças de Segurança, nos complexos da Penha e do Alemão, matando mais de uma centena de moradores –com e sem antecedentes criminais– bem como policiais que ali estavam convocados para cumprir seu dever.

Mal preparada e mal explicada, foi realizada uma operação de guerra, colocando as estruturas de Polícia do Estado do Rio de Janeiro em confronto com a totalidade da população ali residente e não somente com os grupos de faccionados que controlam grande parte daqueles territórios e que também disputam, entre si, o poder de fato na região.

Chegou-se, com esta política de guerra, a um novo limite de enfrentamento armado e de perdas de vidas (117 civis e 04 policiais, segundo dados oficiais). Muitas das pessoas que foram abatidas não têm antecedentes criminais e, quanto às que tinham antecedentes, não se tem clareza sobre as circunstâncias em que foram mortas. O fato de ter antecedentes, de outra parte, não expressa –num Estado Democrático de Direito– licença sumária para eliminação de qualquer indivíduo.

Incursões policiais sistemáticas já se mostraram, ao longo de décadas, uma forma inadequada para enfrentar as facções criminosas, porque colocam em risco toda a população que vive sob o domínio tirânico do crime organizado tirânico e igualmente porque vulneram a segurança dos próprios policiais, empenhados na missão de enfrentá-lo. A sequência destas operações, na verdade, tem resultado no reforço dos poderes paralelos instaurados nas regiões, que sempre se alimentam da violência para exaltar e propagar o seu poder.

O meritório esforço estratégico que vem sendo feito pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública –combinado com a disponibilidade do apoio que o Ministério oferece a todos os Estados– por razões ainda insondáveis, não tem sido requisitado pelo Governo do Rio, que resolveu agir de forma isolada, provocando uma catástrofe de dimensões históricas e consequências negativas –ainda não aferíveis– para a República e a Democracia em nosso país.

O limite a que chegamos recomenda que V. Exa. assuma o comando, pessoal e diretamente, através de uma Secretaria Especial da Presidência da República –dirigida por um(a) ecretário(a) de Estado com prerrogativas Ministeriais, e estreitamente ligado(a) à sua liderança e direção. Tal Secretaria poderia se encarregar de liderar a desconstrução da situação de crise engendrada pelas ações ocorridas no Rio de Janeiro. Enfatizamos, senhor Presidente, que esta situação poderá se disseminar para outros Estados da União, o que clama por estratégias especiais focadas, preditivas e antecipatórias.

O objetivo de tal Secretaria seria coordenar, com a sua autoridade, todas as instâncias de Polícia, de inteligência, de informações e de competência operacional da União, para ajudar a debelar a crise do Rio, de forma conjugada com o Governo Estadual e também para iniciar a formatação institucional do Ministério de Segurança Pública no país, que é proposta contida em seu Programa de Governo.

V. Exa. está atento para estabelecer um Programa Nacional de Enfrentamento às Facções Criminosas, visando, nos curto e médio prazos, retomar os territórios hoje dominados por criminosos, que impõem sofrimento e medo nas periferias. De igual forma, é necessário planejar outras operações de estrangulamento econômico do crime, à luz da Operação Carbono Oculto. É sabido que os grandes líderes das facções não habitam nas periferias, mas nelas promovem violência para manter o controle dos seus interesses criminosos.

Um novo Projeto Nacional de Segurança Pública, que seria elaborado pela nova Secretaria e estaria em sintonia com a PEC apresentada pelo Ministério da Justiça, pautado na democracia, na cidadania, na inteligência policial, no antirracismo e na valorização dos trabalhadores e trabalhadoras da segurança pública, teria o objetivo de enfrentar as facções criminosas nas suas várias modalidades, o que só seria possível num governo que valoriza a democracia, a soberania nacional, a cidadania e o estado democrático de direito. Estes valores norteiam o governo de Vossa Excelência.

O crime organizado não colocará em xeque a democracia brasileira, mas só pode ser desconstruído mediante as estratégias e metodologias corretas e inteligentes de enfrentamento. O senhor possui legitimidade e apoio popular plenos para liderá-las.”